Coluna Vitor Vogas
Novo secretário estadual de Segurança é um não armamentista convicto
Conheça ainda as opiniões de Eugênio Ricas sobre guerra do tráfico em Vitória, letalidade policial, câmeras corporais e os atuais chefes das polícias
Não é nenhuma surpresa para quem já tenha conversado com ele ou lido um dos seus artigos publicados na imprensa local, mas é importante que as pessoas saibam, até porque ele próprio o reiterou nesta terça-feira (6), em coletiva de imprensa ao lado do governador Renato Casagrande (PSB): o futuro secretário estadual de Segurança Pública, Eugênio Ricas, é um ardoroso defensor da tese de que armas de fogo não devem estar nas mãos de civis. Ponto.
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O delegado federal é totalmente contrário a medidas que facilitem o acesso da população civil a esse tipo de armamento letal. É um grande crítico, portanto, das medidas de flexibilização do Estatuto do Desarmamento adotadas no país nos anos de governo Bolsonaro (2019/2022), as quais elevaram consideravelmente não só o número de armas de fogo adquiridas legalmente por civis como o número de armas de fogo legais que foram parar nas mãos de criminosos.
Para usar um conceito bem atual, Ricas é um “não armamentista” convicto. Nesse aspecto, é muito mais enfático que o coronel Alexandre Ramalho (Podemos), a quem substituirá no cargo daqui a poucos dias – assim que for formalizada a sua cessão ao Governo do Estado pela Polícia Federal.
“Essa política de afrouxamento precisa ser revista, e foi revista [desde 2023]. Não acredito que a flexibilização da legislação para aquisição de armas seja saída para nada”, afirmou o futuro secretário, ao ser apresentado por Casagrande.
A posição de Ricas, na verdade, não deveria surpreender ninguém. Longe do senso comum, é precisamente como pensam quase todos os secretários estaduais de segurança e delegados federais – que precisam enfrentar diariamente os problemas gerados pela proliferação de armas – e estudiosos que de fato se dedicam a pesquisar e compreender a fundo as relações entre acesso a armas de fogo e índices de criminalidade.
Basicamente, quase todos os pesquisadores concordam que, quanto mais armas legais em circulação, mais crimes acabam sendo cometidos; e, quanto mais crimes, mais mortes (acidentais ou intencionais). Logo, quanto mais armas, mais mortes. Eis a óbvia conclusão do silogismo, provada pelas estatísticas – citadas por Ricas, inclusive.
Ocorre que, nos anos Bolsonaro, tal obviedade foi suplantada pelo primado de princípios (em si mesmos questionáveis) como o “direito à autodefesa” e a “liberdade para se armar e proteger a si mesmo e a sua família”. Em nome de pretensos “direitos individuais” e sob a égide de um pensamento ultraliberal que buscava limitar ao máximo os limites impostos pelo Estado à livre ação do cidadão, o direito coletivo à segurança pública foi deixado em segundo plano. Some-se a isso a premissa equivocada, mas martelada à exaustão, de que a pessoa armada está mais segura.
O resultado foi uma inundação da sociedade por armas adquiridas por CACs (Colecionadores de Armas e Caçadores), muitas delas desviadas para o crime. E agora as forças de segurança pública precisam correr atrás desse prejuízo, trabalhando ainda mais para apreender esse estoque extra de armas em poder de criminosos – além, é claro, de seguirem combatendo a entrada ilegal e o tráfico de armas no país. É o que afirma Eugênio Ricas:
“Muitas das armas em poder de criminosos foram adquiridas de forma legal. Temos inúmeras comprovações disso. Aqui no Espírito Santo, chegamos a fazer uma operação em que chegamos ao Major Carvalho, conhecido como o Pablo Escobar brasileiro. Ele preso na Hungria, e pessoas ligadas a ele, ou seja, traficantes internacionais, compraram fuzis como CACs. Isso só para dar um exemplo. Mas temos aos montes exemplos como esse, de pessoas assalariadas que compraram quatro [pistolas] Glocks. Para quê? Para repassar para outras pessoas. Essas pessoas foram utilizadas como laranjas. Esse foi um meio muito utilizado nos últimos quatro anos. E por que o impacto disso é tão grande? Porque antes o criminoso, para comprar um fuzil, tinha que trazer isso dos Estados Unidos. Tinha que esconder em colchão, em navios e transformadores de piscinas, para usar exemplos de casos concretos que a Polícia Federal pegou. Nos últimos quatro anos, não. O cara ia lá legalmente, dava entrada na Polícia Federal: ‘Ah, quero comprar cinco Glocks 9 milímetros’. E comprava. ‘Cinquenta mil munições’. E comprava. Isso aí gera um passivo que não acaba hoje, porque cada arma dura cem anos. Daqui a cem anos, a Glock que o cara comprou há dois anos continua matando pessoas.”
Guerra do tráfico em Vitória e aumento dos homicídios na Capital
Ricas respondeu especificamente sobre o problema identificado em Vitória. No ano passado, enquanto a taxa de homicídios caiu no Espírito Santo como um todo, cresceu de maneira preocupante na capital capixaba. O futuro secretário atribuiu esse fenômeno à guerra entre facções criminosas rivais pelo controle do tráfico de drogas em Vitória.
“Há uma guerra de facções em Vitória, o que faz invariavelmente com que o número de homicídios aumente. É um desafio que vamos combater através do combate ao tráfico de armas, identificar essas armas, identificar a chegada dessas armas de fogo aqui, tentar retirar essas armas das ruas. Sabemos que, nos últimos quatro anos, houve uma enxurrada de armas adquiridas de forma legal e que acabaram parando nas mãos de criminosos. Isso é um grande desafio também”, reiterou.
Ele elencou as duas estratégias que considera mais eficazes para combater a causa do problema: controle de armas e ataque ao bolso dos verdadeiros líderes dessas organizações:
“Precisamos ter dois focos. Em primeiro lugar, precisamos mirar muito na questão das armas. Há uma disponibilidade muito grande de armas”, insistiu. “Precisamos identificar o fluxo dessas armas, de onde elas estão vindo. Sabemos que, historicamente, as armas longas vinham dos Estados Unidos, enquanto as curtas vinham do Paraguai. Essa precisa ser uma estratégia. A segunda precisa ser a identificação do capital dessas organizações, para descapitalizá-las. Por que isso é importante? Porque, muitas vezes, o criminoso é preso com uma quantidade de drogas, essa pessoa vai para a cadeia, mas, se a organização continua com recursos, com automóveis, embarcações, aeronaves, contas bancárias, a organização continua fazendo a gestão do crime, comprando a cocaína lá fora e vendendo aqui, continua comprando armas, continua mandando botar fogo em ônibus, continua mandando matar as pessoas na rua. Se você identifica o poder financeiro da organização criminosa e faz o trabalho de descapitalização, essa pessoa é presa e não tem o que fazer. Traficante não vende fiado.”
Confrontos e letalidade policial
Ricas defendeu a importância da diminuição da letalidade policial. Ao mesmo tempo, defendeu que, em confrontos com criminosos, sob ataque e injusta agressão, policiais não têm alternativa senão revidar para resguardar a própria vida. E, nessas situações, criminosos costumam levar a pior.
“Havendo mais disponibilidade de armas nas mãos dos criminosos, a tendência é que haja mais confronto”, voltou a salientar. “A polícia está fazendo o papel dela, que é proteger o cidadão. Se chega e é recebida a bala, não tem alternativa senão revidar aquela agressão. Como os policiais são treinados, é muito mais provável que alvejem o criminoso que o contrário. Queremos que não haja confronto. Defendemos um mundo pacífico. Queríamos viver numa Nova Zelândia, onde a polícia não anda armada. Mas, enquanto não chegamos a esse grau de civilidade, policiais precisam estar armados. E, se o criminoso não responder à ordem de se render e disparar contra policiais, a polícia vai revidar.”
PMES, Polícia Civil e Bombeiros: sem mudança à vista nos comandos
O governador afirmou que, com a chegada de Ricas ao topo da Sesp, não pretende mudar os comandantes das forças de segurança que estarão subordinadas ao novo secretário: “Ninguém tem estabilidade. Todos vivem de resultado. O secretário chega, chega com a equipe trabalhando e, com o tempo, fará a avaliação junto conosco. Mas não está prevista nenhuma mudança”.
Segundo Ricas, ele tampouco pretende sugerir a Casagrande nenhum nome para comandar PMES, PC ou Bombeiros: “A princípio não, até porque estou chegando agora. É um time que vem jogando bem, que vem conseguindo a redução dos números. Preciso conhecer o trabalho, são pessoas que conheço, são grandes profissionais, têm uma história na corporação. Isso a gente precisa valorizar muito. Não são pessoas que estão chegando agora. Quem está chegando agora sou eu”.
Câmeras corporais
Em 2024, policiais do Espírito Santo passarão a usar câmeras corporais em ação, levadas em seus uniformes. O edital de compra está em elaboração, confirmou Casagrande. Ricas é um entusiasta da ideia: “Acho excelente medida. É uma tecnologia que protege o policial, protege a sociedade e gera transparência para as ações”.
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