Coluna Vitor Vogas
Inimigos históricos, Marcelo Santos e Ferraço fazem as pazes
“Hoje posso dizer que não tenho qualquer restrição à pessoa dele”, diz Ferraço sobre antigo desafeto. Segundo ele, relação atual é de “respeito mútuo”

Marcelo Santos e Theodorico Ferraço sempre foram inimigos mortais
A dica veio de um passarinho: “Vitor, meu amigo! O Ferraço não é desafeto do Marcelo mais não! Fizeram as pazes! Inclusive estão conversando sempre! Pode perguntar ao próprio Ferraço!”
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Fiquei cético diante da informação. Afinal, o ex-presidente da Assembleia Legislativa Theodorico Ferraço (PP) e o atual ocupante do cargo, Marcelo Santos (Podemos), são notórios adversários políticos. No Legislativo Estadual, sempre foi Ferraço para um lado, Marcelo para o outro.
E assim, carregando o meu ceticismo, segui a sugestão da fonte e conversei com o próprio Ferraço. E não é que a velha águia de Cachoeiro confirmou o novo status do relacionamento entre eles? Muito tranquilamente, Ferraço falou de Marcelo de maneira favorável e respeitosa, dedicando palavras cordatas e elogiosas ao atual presidente da Assembleia, a quem chamou de “rapaz muito inteligente”, entre outros predicativos.
Ferraço ainda avaliou positivamente o início do trabalho do histórico desafeto na presidência, ocupada por ele de 2012 a 2017. Conforme frisou, a relação entre os dois, hoje, é regida por mútuo respeito.
“O que hoje existe entre nós é respeito entre colegas. Convivemos com o maior respeito mútuo, sem problema nenhum. Hoje posso dizer que não tenho qualquer restrição à pessoa dele.”
Palavras simples, mas embasbacantes para quem conhece o histórico dos dois. Não que eles tenham virado aliados da noite para o dia. Que ninguém espere ver Ferraço dividindo palanques com Marcelo ou figurando em suas dancinhas de sexta-feira à noite no TikTok (puxa, agora estou imaginando isso…). Mas, até poucos meses atrás, ouvir Ferraço falar em “maior respeito mútuo” com Marcelo era simplesmente inimaginável.
O que levou a uma mudança tão radical no relacionamento entre os dois? Como eles chegaram a essa trégua? Como duas raposas políticas que nem sequer se falavam até fevereiro agora conversam rotineiramente em plenário, trocam palavras amenas e até se deixam filmar lado a lado em vídeo publicado nesta segunda-feira (5) nos stories de Marcelo?

Marcelo Santos (de costas) conversa com Theodorico Ferraço na entrada do plenário da Assembleia (05/06/2023). Crédito: Reprodução Instagram
A verdade completa nesse caso é difícil de descobrir, mas o próprio Ferraço revela uma de suas facetas: o primeiro passo do armistício foi dado pelo próprio Marcelo. Segundo Ferraço, em gesto de paz, poucos dias após se eleger presidente da Assembleia (tendo-o como opositor), Marcelo foi lhe fazer uma visita de cortesia em seu gabinete parlamentar.
“Dois ou três dias depois que ele foi eleito, ele fez uma visita ao meu gabinete. Eu fui muito amigo do pai dele [o prefeito de Cariacica Aloízio Santos, morto em 2007]. Na Assembleia, de fato, o Marcelo estava de um lado e eu do outro. Isso foi durante todo o governo Paulo Hartung. No governo passado do Casagrande, não foi diferente. Nunca tivemos nenhum relacionamento de amizade, mas de respeito entre parlamentares. Com essa ascensão dele, ele teve a humildade de me fazer uma visita”, relata Ferraço.
O ex-prefeito de Cachoeiro também conta parte do teor dessa conversa “divisora de águas” que teve com Marcelo. Com a ironia e a mordacidade que lhe são peculiares, Ferraço quis saber de Marcelo o que ele fez, afinal, para conseguir “dobrar” Renato Casagrande (PSB) e convencer o governador a apoiá-lo em detrimento da candidatura de Vandinho Leite (PSDB) na eleição da Mesa Diretora, no começo do ano. Vandinho era apoiado por Ferraço, mas sucumbiu ao movimento ostensivo de Casagrande e seus emissários em favor de Marcelo.
“Eu disse para o Marcelo que não tive nem tenho problema nenhum com ele. Ele disputou a presidência e ganhou. O governador já tinha manifestado neutralidade e de repente houve essa alteração. Então pedi a ele que um dia, na hora que ele quisesse, que ele me dissesse qual foi a categoria, a classe que ele usou, para colocar o governador como seu aliado. Foi difícil a gente entender, tendo em vista o governador já ter dado a palavra dele de que não ia se meter na eleição da Assembleia. O governador disse isso num evento em Guarapari. Então perguntei ao Marcelo o que ele fez para mudar a cabeça do governador.”
E o que Marcelo lhe respondeu?
“Ele deu um grande sorriso e disse ‘Um dia a gente conversa sobre isso’”, relata Ferraço.
“Nosso relacionamento hoje é de deputado para deputado. Não teve acordo político, nada disso não. É respeito entre colegas. Ele ganhou e é o presidente. Hoje posso dizer que não tenho qualquer restrição à pessoa dele”, reitera Ferraço.
Sobre o trabalho de Marcelo nestes quatro primeiros meses como chefe do Legislativo Estadual, Ferraço recorre à avaliação dos pares:
“Ainda é cedo para fazer uma avaliação. Mas, até agora, está indo bem. Pelo menos os deputados não estão reclamando de nada. É um rapaz muito inteligente. Ele consegue dobrar até o governador!”, afirma Ferração, voltando a ativar o modo sarcástico. “Ele tem esse valor, e esse valor só ele pode explicar. Então é reconhecer e desejar que ele seja realmente um bom presidente. Não sou nenhum empecilho para ninguém na Assembleia.”
Progressistas
Mas, ao mesmo tempo em que não quer atrapalhar Marcelo, Ferraço não moverá uma palha para ajudar o governo Casagrande, enquanto vê o seu partido, Progressistas (PP), agora sob a presidência estadual de Josias da Vitória, afastar-se aos poucos do governador.
“Nunca estive na base do governo. Estou onde sempre estive: independente em relação ao governo. Quanto à relação do PP com o governo, essa avaliação só quem pode fazer é o Da Vitória.”
Vale-alimentação
Como Ferraço disse, nenhum deputado está reclamando de Marcelo, e uma das medidas do presidente que na certa fez muito sucesso entre os pares foi a criação do vale-alimentação de R$ 1,8 mil para os próprios deputados – por meio de uma emenda de Tyago Hoffamann (PSB) a um projeto de autoria de Marcelo, aprovado em 19 de abril.
Ferraço foi um dos poucos deputados a não solicitar o benefício, mas não condena a iniciativa nem os colegas que o pediram. Ele explica:
“Não faço parte disso. Entendo que era um direito dos deputados. Não teria problema nenhum que fosse instituído o vale, em função de os outros Poderes já terem. Não era nada ilegal. Eu achava que era correto. Só que me reservo o direito de não aceitar. Mas não combato nenhum daqueles deputados que agora estão tendo o direito que outros Poderes já têm.”
“Cuidado com certo deputado”
Antes de encerrar nossa conversa, Ferraço passou do modo sarcástico para o enigmático (outra de suas marcas). E, a julgar pelas entrelinhas de sua fala, já escolheu um novo inimigo número um em plenário, a quem prefere não nominar no momento, mas que talvez em breve venha à tona.
“A gente tem muito cuidado com algum deputado do governo.”
Quem, deputado?!?
“O tempo dirá.”
O tempo e, possivelmente, embates por vir em plenário.
Elogios para petistas e Camila
Num modo meio “amigão da galera”, o super conservador Theodorico Ferraço, com os dois pés fincados na direita, reserva elogios aos seus três colegas plantados mais à esquerda no plenário: os petistas Iriny Lopes e João Coser e a psolista Camila Valadão:
“Os dois deputados do PT são dois baluartes muito grandes. A Camila é uma deputada brilhante.”
Retrospectiva da treta
A guerra política de bastidores entre Theodorico Ferraço e Marcelo Santos remonta aos primeiros governos Paulo Hartung (2003-2010) e tem razões profundas que nem suspeita a nossa vã filosofia, mas inegavelmente agravou-se no contexto da disputa de poder dentro da Assembleia.
Os dois já eram grandes desafetos no início de 2017, quando o então deputado Erick Musso (Republicanos) conseguiu substituir Ferraço na presidência da Casa. Erick chegou lá com o apoio velado do então governador Paulo Hartung e tendo Marcelo como principal articulador político entre os deputados.
Durante os seis anos de administração Erick Musso, Marcelo manteve-se em sua retaguarda, como 1º vice-presidente, sempre muito influente. Por intermédio de Erick, Marcelo destronou Ferraço e ajudou a dar fim à era do adversário na presidência da Assembleia (2012-2017).
Em janeiro deste ano, com a iminência do fim da Era Erick, Marcelo enxergou sua grande chance para dar o pulo do gato e enfim galgar à presidência. Ferraço, por sua vez, percebeu a grande oportunidade de voltar a exercer influência sobre a Mesa Diretora e os rumos da Casa. Para isso, perfilou-se a Vandinho Leite (PSDB) e, ao lado de Hudson Leal (Republicanos), foi o mais ativo e entusiasmado apoiador da candidatura do tucano à sucessão de Erick.
Só que deu ruim para ele. Novamente por obra de Marcelo, Ferraço ficou longe da Mesa. Dessa vez, porém, Marcelo foi o protagonista da derrota imposta à águia de Cachoeiro.
Dias após Casagrande indicar neutralidade em relação à disputa pela presidência da Assembleia, Vandinho já tinha reunido o apoio da maioria dos colegas. Foi quando Casagrande pensou melhor e declarou apoio público a Marcelo, passando a chamá-lo de “meu candidato”. Com esse movimento, o governador redirecionou todo o apoio dos deputados da sua base para Marcelo, que assim “roubou” de Vandinho a maioria dos votos.
Minada pela ostensiva interferência do Poder Executivo, a chapa de Vandinho se desmanchou, e o tucano capitulou. Na véspera da eleição, Vandinho ainda costurou um acordo com Marcelo, mediado pelo Palácio Anchieta, para encaixar dois aliados dele, Hudson Leal e Danilo Bahiense (PL), como 1º e 2º vice-presidentes, respectivamente, na chapa de Marcelo. Este acabou eleito à frente da chapa única, no dia 1º de fevereiro, em sessão ironicamente presidida por ninguém menos que Ferraço, por ser o deputado mais velho.

No dia da eleição da Mesa, Ferraço recebe um abraço emocionado de Vandinho e evita olhar para o colega (01/02/2023)
Ferraço se absteve de votar, não escondeu sua decepção com Vandinho por ele não ter sustentado a chapa até o fim, mas, acima de tudo, não disfarçou sua irritação com Casagrande pela articulação truculenta em favor de Marcelo.
Desde o início do atual mandato, Ferraço se declara deputado independente, sem nenhum compromisso com o governo, apesar de seu partido, o PP, fazer parte da administração de Casagrande desde 2019.
Nas primeiras sessões do ano, quando se formou o bloco parlamentar majoritário de partidos governistas, Ferraço anunciou que não queria participar – e, assim, o PP ficou de fora. Como no mandato passado, ele também não participa de comissões permanentes. Nas contas do governo, decididamente não entra como voto garantido aos projetos do Palácio Anchieta.
