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Coluna Vitor Vogas

“Cota de gênero na política não fracassou, mas precisa mudar”, defende pesquisadora da Ufes

Mestre em História Social das Relações Políticas pela Ufes, Tanya Krueger é autora de pesquisa específica sobre a participação das mulheres na política capixaba. Para ela, a cota eleitoral de gênero ainda é uma política ineficiente, mas cumpre papel importante ao ampliar o debate sobre a baixa representação feminina. Em entrevista à coluna, ela responde à pergunta central: o que fazer então para de fato ampliar a presença das mulheres nos cargos de poder?

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Tanya Krueger é doutoranda em História e pesquisadora da Ufes. Foto: acervo pessoal

O Dia Internacional da Mulher não é para celebração, mas para reflexão e ação. Quando se pensa em igualdade de gênero, a realidade está muito distante da ideal em várias dimensões da vida humana, inclusive na política. Se você quiser, até pode mandar flores, por exemplo, para as parlamentares eleitas pelo Espírito Santo no ano passado. Gastará muito pouco dinheiro na floricultura.

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Os Três Poderes seguem sendo domínios masculinos. Apesar da cota de gênero, instituída na legislação brasileira em 2009, mulheres seguem sub-representadas nos espaços de poder em geral, sobretudo em mandatos eletivos no Legislativo e no Executivo. No país, ainda é pífio o percentual de mulheres que se candidatam e, principalmente, de mulheres que conseguem se eleger. A representação feminina na política segue muito abaixo do tamanho da sua presença na população brasileira e da participação feminina no eleitorado do país.

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Mulheres decidem eleições, mas os rumos dos eventos são dados, quase sempre, pelos homens eleitos nesses mesmos processos. No Espírito Santo, a situação também é péssima.

Feito o diagnóstico, algumas questões se impõem. Quais são as causas do problema? Como mudar esse quadro persistente de sub-representação? Por que a cota de gênero até hoje não surtiu efeito? O que deve ser feito e o que não deve ser feito para efetivamente incrementar o número de mulheres eleitas?

> Mulheres na política: o tamanho do abismo da desigualdade de gênero, em números

Para responder a essas questões, entrevistamos a pesquisadora Tanya Krueger, doutoranda em História Social das Relações Políticas pelo Programa de Pós-Graduação em História da Ufes. Em seu mestrado pelo mesmo programa, ela desenvolveu uma pesquisa específica sobre a desigualdade de gênero no âmbito legislativo do Espírito Santo, entrevistando sete deputadas estaduais e federais. A pesquisa resultou no livro “Mulheres e política no Espírito Santo”, com recorte de 1982 a 2018, ano da defesa da dissertação.

Na entrevista abaixo, a pesquisadora apresenta as suas conclusões:

Todos os dados relativos à ocupação de mandatos eletivos em âmbito estadual e nacional confirmam a sub-representação generalizada das mulheres nos espaços de poder. Há muitos anos constatamos e discutimos isso, porém o quadro perdura. Na sua avaliação, quais são as verdadeiras causas dessa desigualdade de gênero na política e por que a situação não se altera apesar de tudo o que já foi falado e tentado em busca de um maior equilíbrio?

A sub-representação das mulheres na política institucional é um fato histórico. É um dado generalizado, em vários estados do Brasil. Por que, afinal, isso se perpetua? Uma primeira questão é a divisão sexual do trabalho, que são as assimetrias de gênero existentes dentro do ambiente doméstico. Sabemos que as mulheres são as maiores responsáveis pelo cuidado da casa e dos filhos. Então essas assimetrias também repercutem no mundo público. As mulheres têm mais dificuldade em se lançar ao mundo público devido a essas persistentes assimetrias de gênero no ambiente doméstico. Esse é o primeiro e muito importante fator, que muitas vezes desestimula mulheres a ir para a política. Uma outra questão é que a política é um reflexo da nossa sociedade e da nossa cultura. Se convivemos em uma sociedade com ideais patriarcais, esses ideais e essa cultura vão se refletir na política. É por isso que até hoje essa sub-representação está presente. Pode haver leis, mas primeiro precisamos alterar a nossa cultura, para depois avançarmos na questão política.

Desde 2009, partidos políticos são obrigados a reservar pelo menos 30% de suas candidaturas para mulheres e, desde 2018, 30% dos recursos de campanha dos partidos precisam ser destinados para essas candidatas. Como a senhora avalia a cota de gênero e os seus resultados? Podemos concluir que essa tentativa fracassou?

Não acredito que a cota de gênero tenha fracassado, pois é uma política relativamente recente. Até 2009, essa cota não era obrigatória para os partidos, então eles burlavam muito a lei, não preenchiam esse percentual. Desde 2009, o preenchimento da cota passou a ser obrigatório, então é uma lei recentemente nova. O que acontece é que os partidos ainda utilizam as famosas candidaturas laranjas: convidam mulheres para se filiar ao partido, porém não dão a elas incentivo financeiro nem o suporte necessário. Contudo, só em estarmos hoje discutindo mais em nossa sociedade a inclusão das mulheres nos partidos e na própria política institucionalizada, isso é muito importante. A cota de gênero aumentou essa discussão sobre essas questões de gênero. Então, nesse ponto, não podemos falar que a cota foi de todo um fracasso. Ela ainda é uma política ineficiente. Contudo, ela não é uma política fracassada, porque, mesmo não trazendo os resultados esperados, houve, sim, uma maior discussão sobre a participação das mulheres na política, que é um ponto muito importante dentro do cenário brasileiro.

Se a cota de gênero não alcançou, pelo menos até agora, os resultados pretendidos, o que foi que deu errado? Quais são as deficiências da medida e o que deveria ser mudado na legislação eleitoral e no âmbito dos próprios partidos para aprimorar ou corrigir distorções?

Como eu disse, a cota de gênero ainda é uma política ineficiente. E por que isso? Em primeiro lugar, porque a cota é para as mulheres participarem das eleições. Então, por exemplo, um partido precisa ter 30% de candidaturas femininas, mas isso não quer dizer que essas mulheres serão eleitas. Na minha pesquisa, analisei esses dados. Quando você vê os resultados do pleito eleitoral, você vê que houve, sim, um percentual maior de mulheres participando do pleito. Contudo, quando você vê o percentual de mulheres eleitas, esse gráfico cai. Então, dentro da minha pesquisa, o que muitas deputadas apontaram é que a cota deveria ser por cadeira, ou seja, um percentual mínimo de mulheres eleitas. Exemplo: se no nosso estado temos dez vagas de deputados federais, três teriam que ser destinadas para as mulheres. Isso foi um resultado que obtive durante a minha pesquisa de mestrado. Fora isso, os partidos também deveriam realizar mais seminários para promover uma maior conscientização sobre a participação das mulheres no cenário político.

Quando alguns políticos e dirigentes partidários dizem “a cota de gênero fracassou” ou “não serviu para nada”, creio que o maior perigo é que o complemento seja “então vamos acabar com ela e voltar tudo para como era antes”, isto é, para um cenário em que não havia absolutamente nenhum tipo de incentivo à eleição de mulheres, mesmo que por força de lei. Talvez a frase completa mais precisa seja “a cota de gênero até aqui foi uma tentativa frustrada, então vamos aprimorar essa medida e lhe acrescentar algumas outras”. Na sua avaliação, o que é que realmente precisa ser feito por Estado, partidos e sociedade civil? Quais são as medidas concretas que podem efetivamente dar resultado no sentido de elevar a quantidade de mulheres eleitas no país?

Quando falamos da problemática das mulheres na política, temos que entender que a política é um reflexo da nossa cultura. Então, se estamos em uma cultura patriarcal, machista e misógina, isso vai se refletir no ambiente da política institucionalizada. Então, essa questão precisa ser discutida desde a base, desde a escola. Precisamos entender o papel das mulheres e das minorias em geral. No caso específico das mulheres, que é o meu objeto de estudo, elas foram secularmente destinadas ao ambiente doméstico. Foi-lhes atribuído um papel, e até hoje tiveram que cumprir esse papel. Então, a primeira coisa, no âmbito social e até mesmo nos partidos políticos, é a promoção de seminários que discutam de fato essas questões, que não só falem “ah, a participação da mulher na política é importante”, sem saber por que ela é importante. Afinal, as mulheres fazem mesmo diferença na política? Esse é um ponto que levantei, foi um capítulo do meu livro, porque só falar não vai trazer resultados. Precisamos discutir, analisar. No meu ponto de vista, são necessários mais seminários que discutam os temas, que tragam uma abordagem histórica de reflexão, para entender por que de fato as mulheres são importantes na política.

E por que as mulheres são importantes na política?

Quando se tem mais mulheres na política e mulheres que estão lá para defender os direitos das mulheres, vemos uma mudança no sentido de mais projetos de lei aprovados que ajudem a causa feminina e feminista. A gente vê uma mudança no cenário político. Esses projetos de lei vêm à tona. Recentemente, por exemplo, a deputada estadual Iriny Lopes trouxe um projeto discutindo a violência política de gênero. Ela é uma mulher que está ocupando um espaço formal de poder e trouxe uma lei muito importante dentro do cenário político capixaba. Se ela não tivesse sido eleita, talvez essa lei nunca existiria. Então, você ter uma política mais plural é democrático. Quando estamos numa democracia, temos que ter uma política mais plural, não só de mulheres, mas também de outras minorias, para levarem as suas pautas, porque essas pautas só serão levadas no cenário político institucional quando essas minorias forem eleitas. É preciso fazer debates, para que haja uma conscientização maior e uma mudança cultural.

E enquanto essa mudança não ocorre?

Enquanto essa mudança cultural não ocorre, pode haver uma mudança na legislação. Como eu citei, a cota de gênero pode deixar de ser uma cota por número de candidaturas, mas por cadeiras em disputa. O Brasil está seguindo a passos lentos, mas estamos, sim, seguindo para a frente. No ano passado tivemos, por exemplo, uma lei que relata a violência política de gênero. Isso é muito importante. O Brasil era um dos poucos países da América Latina onde não existia uma lei abrangendo a violência política de gênero. E agora o Brasil conseguiu aprovar essa lei. Então, passos estão sendo dados. De forma curta? De forma curta. Mas estamos prosseguindo, sim. E esperamos que, daqui a alguns anos, haja melhoras e que as mulheres participem mais do cenário. Não só que participem, mas que levem pautas em prol dos direitos das mulheres.