Coluna Vitor Vogas
Bola de neve: a confusão em torno do aumento do salário do prefeito de Vila Velha
Tribunal de Contas hoje decidiu suspender aumento promulgado em dezembro para o prefeito Arnaldinho Borgo… mas suspensão pode não valer, pois se aplica a uma lei já derrubada e “substituída” por outra… Nova lei, porém, também é passível de cair
Entre novembro e dezembro do ano passado, após as eleições municipais, as Câmaras Municipais de seis cidades capixabas aprovaram projetos de lei estabelecendo reajuste salarial, no mandato seguinte – iniciado agora em janeiro –, para os agentes políticos do Poder Executivo: o prefeito, o vice-prefeito e secretários municipais. Essas seis cidades são Água Doce do Norte, Piúma, São José do Calçado, Cariacica, Serra e Vila Velha. Os projetos aprovados deram origem a leis municipais.
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Entendendo que essas leis municipais são inconstitucionais, por terem sido criadas fora do prazo legal, o Ministério Público de Contas (MPC) ingressou com representações junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCES), pedindo, em caráter liminar, a suspensão do pagamento do reajuste para os agentes beneficiados, e, na análise de mérito, a anulação das leis em questão.
O relator das representações do MPC no tribunal é o conselheiro Sérgio Aboudib. Monocraticamente, ele decidiu acolher o pedido liminar do órgão ministerial no caso desses seis municípios. O conselheiro determinou que os prefeitos das seis cidades, incluindo Vila Velha, suspendam o pagamento de aumento salarial aprovado, no fim do ano passado, pelas respectivas Câmaras Municipais.
Nesta terça-feira (28), em sessão plenária, os demais conselheiros homologaram a decisão de Aboudib, pelo placar de seis votos a um. Os seis prefeitos atingidos serão notificados da decisão e terão prazo de dez dias para se manifestarem e apresentarem “as justificativas necessárias”, nos termos da decisão do relator.
No entanto, a decisão suscitou uma grande dúvida no que se refere, especificamente, a Vila Velha. O município governador por Arnaldinho Borgo (Podemos) é um caso à parte, ou melhor, uma confusão à parte.
Isso porque a ação do Ministério Público de Contas contesta a Lei Municipal 7.128, de 10 de dezembro de 2024, promulgada pelo então presidente da Câmara de Vila Velha, Bruno Lorenzutti (MDB).
Ocorre que essa lei já “caiu”.
No dia 1º de janeiro, o vereador Osvaldo Maturano (PRD), aliado de Arnaldinho, foi eleito presidente da Câmara de Vila Velha. Diante de questionamentos do Ministério Público Estadual (MPES) e da representação do Ministério Público de Contas, Maturano tomou uma atitude, até certo ponto, inusitada.
Já prevendo uma possível decisão judicial contrária à Lei Municipal 7.128/2024, o presidente da Câmara de Vila Velha apresentou novo projeto de lei, com duas finalidades: revogar a Lei Municipal 7.128/2024 e fixar novamente, nos mesmos valores, o subsídio de prefeito, vice-prefeito e secretários municipais no atual mandato. O novo projeto atendeu a algumas exigências do MPES que o outro não continha, como apresentação de um estudo de impacto financeiro.
No dia 20 de janeiro, o projeto de Maturano foi pautado por ele e aprovado às pressas, em regime de urgência e sessão extraordinária, pelos vereadores de Vila Velha. No mesmo dia, o prefeito Arnaldinho Borgo vetou o projeto. Dois dias depois (22), na sessão plenária seguinte, o veto foi rejeitado em plenário.
Na última quinta-feira (23), o Diário Oficial de Vila Velha publicou a Lei nº 7.147, de 22 de janeiro de 2025, promulgada por Osvaldo Maturano.
E assim todo o enredo de dezembro repetiu-se em janeiro.
Mas o importante, do ponto de vista técnico – e para o que nos interessa aqui –, é o seguinte: a rigor, a Lei Municipal 7.128/2024, alvo da representação do MPC, já não existe, saiu do ordenamento jurídico.
Nesse caso, o grande questionamento é se a ação do MPC não teria perdido o objeto. Em caso afirmativo, a decisão de Sérgio Aboudib, ratificada nesta terça-feira pelo Pleno do TCES, não se aplicaria ao aumento de Arnaldinho em Vila Velha, que assim não seria suspenso.
Questionada sobre isso, a assessoria do MPC admitiu que a revogação da lei em questão pela Câmara de Vila Velha pode levar à perda do objeto, mas afirmou que isso ainda precisará ser analisado no curso do processo no TCES:
“O MPC-ES esclarece que a representação questiona a Lei Municipal 7.128, de 10 de dezembro de 2024. A revogação da lei questionada pode levar à perda do objeto da representação, mas isso será analisado dentro do Processo 307/2025, com as justificativas apresentadas pelo Legislativo e pelo Executivo de Vila Velha”.
O MPC-ES, contudo, faz um acréscimo essencial: “Ressalta-se que isso não impede a análise da legalidade da nova lei aprovada em procedimento diverso”.
Em outras palavras, Ok, para escapar de problemas jurídicos, a Câmara de Vila Velha cancelou a lei de dezembro e aprovou, em janeiro, uma idêntica… Como a primeira ação do MPC só tratava da lei de dezembro, isso até pode funcionar… temporariamente.
Nada impede que o MPC simplesmente entre com nova representação contestando a nova lei municipal, promulgada no dia 23 de janeiro.
Pela lógica, é até bem provável que o MPC o faça, pois há, no raciocínio da Câmara de Vila Velha, um ponto que até agora ninguém conseguiu compreender direito (aparentemente, um ponto cego).
De acordo com a Constituição Federal (art. 29), as Câmaras Municipais têm a competência de fixar o subsídio do prefeito de um mandato para o outro… É o princípio da anterioridade. Além disso, a lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) proíbe a publicação de ato que aumente despesa de pessoal nos 180 dias anteriores ao final do mandato, o que inclui o período eleitoral.
Por fim, o STF fixou jurisprudência no sentido de que as Câmaras Municipais não podem aumentar a remuneração de agentes políticos após as eleições municipais.
Trocando em miúdos: o subsídio do prefeito deve ser fixado pela Câmara de uma legislatura para a outra (conforme a Constituição Federal), mas somente até a metade do último ano da legislatura (conforme a LRF). Em hipótese alguma, isso pode ser feito nos últimos 180 dias de mandato. Muito menos depois do pleito municipal…
No caso concreto, o aumento só poderia ter sido concedido até o fim de junho do ano passado.
É aqui que a porca torce o rabo…
Ora, se o problema todo era esse – isto é, se a Câmara de Vila Velha não poderia ter aprovado o aumento do prefeito em dezembro, último mês da legislatura, para o mandato seguinte –, por que essa mesma Câmara poderia aprovar o reajuste, retroativo a 1º de janeiro, com a legislatura atual já em andamento? O prazo, neste caso, não está ainda mais “estourado”? Acaso não estamos diante de uma violação ainda mais grave da norma?
Com a publicação de nova lei municipal no dia 23 de janeiro, a emenda da Câmara de Vila Velha pode ter saído pior que o soneto.
O que diz Sérgio Aboudib
Por intermédio da assessoria do TCES, o conselheiro Sérgio Aboudib afirmou que ainda não há processo referente à nova lei municipal de Vila Velha. O conselheiro aguardará eventual iniciativa do MPC e, caso haja nova representação voltada para essa nova lei, analisará as alegações para se posicionar.
Os valores
De acordo com a Lei 7.128/2024, retomada pela Lei 7.147/2025, o subsídio do prefeito de Vila Velha passa de R$ 15.362,73 para R$ 29.000,00.
O do vice-prefeito passa de R$ 13.300,00 para R$ 25.230,00.
O dos secretários municipais passa de R$ 12.243,00 para R$ 22.900,00.