Coluna Vitor Vogas
As sete piores mentiras contadas por Bolsonaro na visita ao ES
Discursando a apoiadores em comício na Prainha, ex-presidente voltou a provar que “a verdade vos libertará” é só um versículo que ele gosta de citar
Falando a apoiadores por pouco mais de oito minutos em comício no Parque da Prainha no início da tarde dessa segunda-feira (30), durante rápida visita ao Espírito Santo, o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) conseguiu contar uma série de mentiras muito graves (praticamente uma por minuto). Nesta coluna, elencamos as sete maiores.
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A pior de todas – porque covarde – é a que diz respeito à pandemia do novo coronavírus. Disse Bolsonaro a seus apoiadores:
1) “Fizemos a nossa parte. Vencemos a pandemia.”
Não, não “vencemos a pandemia”. Muito menos o governo dele. Ninguém saiu “vencedor” da guerra inglória contra a pior doença que se abateu sobre a humanidade em um século. Mas alguns perderam mais que outros. E determinados “capitães”, que deveriam liderar a batalha, simplesmente recusaram-se a guerrear, ou pior: ajudaram o inimigo (o vírus).
O Brasil pode, no máximo, afirmar que superou a pandemia, a duras penas e à custa de mais de 700 mil vidas – muitas das quais poderiam e deveriam ter sido poupadas, não fossem a omissão, a indiferença e a sabotagem descarada de determinados poderosos, a começar justamente por aquele a quem cabia a maior parcela de responsabilidade, mas que preferiu lavar as mãos (“E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”).
O país que responde por 3% da população mundial concentrou cerca de 10% das mortes no planeta por Covid-19 (reportadas à OMS). Algo muito equivocado foi feito por aqui.
O Brasil superou a pandemia, não graças a Bolsonaro e à sua liderança, mas apesar de Bolsonaro e da sua falta de liderança. No momento em que os brasileiros mais necessitaram de um verdadeiro líder, sereno, sensato, operoso e dotado de autêntico espírito público, Bolsonaro preferiu transferir responsabilidades pessoais e intransferíveis do presidente da República.
Condenado à inelegibilidade pelo TSE em 2023 por abuso de poder político, Bolsonaro abusou do comportamento irresponsável – para não dizer criminoso – em relação à mais grave crise sanitária mundial desde a gripe espanhola.
Abusou da omissão e da fuga aos seus deveres de chefe do governo e do Estado, terceirizando a tomada de medidas impopulares a governadores e prefeitos que tiveram de arcar sozinhos com esse ônus político, quando era a ele, a ele e a mais ninguém, que cabia a obrigação de liderar o país nessa travessia e coordenar os esforços de enfrentamento à crise humanitária, em articulação com estados e municípios.
Abusou do negacionismo, rechaçando nos primeiros meses, até onde pôde, a gravidade da mais terrível crise sanitária mundial em cem anos de história (“histeria”, “alarmismo da mídia”, “tenho histórico de atleta”, “brasileiro não pega nada, pula no esgoto e não acontece nada”).
Abusou do desrespeito, do deboche e do desprezo em relação à ciência.
Abusou da sabotagem pessoal às medidas de distanciamento e isolamento social, comprovadamente as únicas capazes de frear a disseminação da doença contagiosa sem cura e as taxas de óbito quando as primeiras vacinas não estavam nem sequer no horizonte. Como líder da nação, Bolsonaro deveria ter sido o primeiro a dar o exemplo e incentivar as pessoas a protegerem a si mesmas e aos seus semelhantes. Fez precisamente o contrário.
Abusou da sua campanha pessoal para desacreditar as vacinas, desestimulando as pessoas a buscarem se imunizar contra a doença respiratória letal (“Se virar jacaré, é problema seu”, “vachina”, “vacina do Dória” e até associação com a Aids), quando, mais uma vez, como chefe da nação, deveria ter feito exatamente o contrário, dando o exemplo e encorajando seus concidadãos a buscarem em massa os imunizantes.
Abusou da propagação de fake news e charlatanices, “vendendo” um ilusório “tratamento precoce” à base de medicamentos comprovadamente ineficazes contra a Covid-19 (em constrangedora cena, chegou ao cúmulo de se deixar filmar oferecendo cloroquina a uma ema) e abraçando a teratológica tese da “imunidade de rebanho”.
Abusou – o que é ainda mais grave – do desrespeito às centenas de milhares de vítimas da Covid-19 e aos seus familiares, trocando palavras sinceras de consolo e condolências (que jamais vieram, senão no período de campanha) por outras de acintoso deboche (“Não sou coveiro”, “país de maricas”), a ponto de, em mais de uma ocasião, zombar do seu povo em sofrimento com infames imitações de pacientes em agonia por não conseguirem respirar em pleno leito de morte.
Abusou da insensibilidade e da falta de empatia com os seus compatriotas abatidos aos milhares nos leitos hospitalares das alas reservadas para pacientes Covid-19 – leitos esses que, diga-se de passagem, ele mesmo colocou em xeque, lançando publicamente suspeitas infundadas de que estariam superestimados e conclamando sua turba a invadir hospitais para filmá-los. Comportamento indecoroso, indigno de um verdadeiro líder.
2) “Enfrentamos a pandemia. Gastamos na ordem de R$ 50 bilhões por mês com o auxílio emergencial, contra governadores que, em sua maioria, adotou aquela política errada: ‘fique em casa e a economia a gente vê depois’. O povo ia morrer de fome. Não tínhamos alternativa.”
A esta altura dos acontecimentos, Bolsonaro segue agarrado a uma mentalidade que opõe medidas sanitárias de isolamento social à preservação da economia. Ele vai morrer abraçado a essa tese furada, mas é totalmente falsa, e assim sempre foi desde o início, a oposição entre salvar vidas ou salvar a economia.
Ao contrário, os países que de fato fizeram, desde o início da pandemia, um esforço de isolamento social amplo, coordenado pelo governo federal, perderam menos vidas e foram os que primeiro se recuperaram do momento mais agudo da pandemia; consequentemente, foram os primeiros a se reerguer economicamente.
As duas coisas, portanto, jamais foram antagônicas, como apregoam Bolsonaro e os seus, mas complementares e interdependentes.
3) “Por falar em vacina, eu comprei 600 milhões de doses de vacina, mas eu não tomei! Eu não tomei porque eu li o contrato da Pfizer. Eu fui o único chefe de Estado do mundo que disse a verdade para o seu povo. Alguns falavam: ‘Fica quieto que tu perde a eleição’. Vale a pena ganhar a eleição e ver o nosso povo sofrer com os efeitos colaterais de uma vacina que até hoje não tem comprovação científica? Não!”
É inacreditável como, quatro anos e meio depois de a OMS ter declarado a pandemia, Bolsonaro segue desdenhando e tripudiando das duas únicas coisas que permitiram ao Brasil e ao resto do mundo de fato superá-la: isolamento social e vacinação em massa.
Se governos municipais e estaduais não tivessem tomado as impopulares medidas de restrição à circulação das pessoas para conter a velocidade do contágio nos primeiros tempos, o sistema de saúde pública brasileiro teria colapsado – como efetivamente colapsou em outras partes do mundo –, e o flagelo humanitário nesse caso teria sido ainda maior do que foi, assumindo proporções bíblicas.
Se a população brasileira – repito: apesar dos maus exemplos e conselhos do presidente da República – não tivesse se imunizado em massa com as vacinas desenvolvidas e disponibilizadas no SUS (incluindo a da Pfizer), até hoje estaríamos enfrentando a Covid-19 em nosso dia a dia, com número significativo de casos graves e mortes. Mas isso, felizmente, já não faz parte do nosso cotidiano, não é mesmo? Por quê?
Porque o governo Bolsonaro “venceu” a pandemia? Não. Por causa das vacinas que ele tanto despreza. É simples assim.
Cabe, ainda, pontuar o óbvio: se Bolsonaro não queria tomar a vacina da Pfizer, poderia, nos meses seguintes – e ainda pode, até hoje – tomar a vacina contra a Covid-19 desenvolvida por qualquer outra fabricante. Há várias disponíveis no SUS.
E outra: se ele se orgulha, estupidamente, de não ter tomado a vacina, ainda precisa explicar o esquema de falsificação em seu certificado de vacinação (alô, Mauro Cid!) para poder se ausentar do país.
4) “Formamos um time de pessoas técnicas para estar ao nosso lado em Brasília.”
Bolsonaro também mente descaradamente ao afirmar que montou uma equipe técnica de ministros. Eduardo Pazuello, general que pouco ou nada entendia de saúde pública, escalado por ele no auge da pandemia porque lhe obedecia cegamente, foi um ministro da Saúde de “perfil técnico”?
Damares Alves era “técnica” no Ministério dos Direitos Humanos? Vélez Rodríguez e Abraham Weintraub na Educação? Ernesto Araújo nas Relações Exteriores?
Todos esses ministros citados, de capacidade técnica muito discutível, pautaram a sua condução nos respectivos ministérios por crenças ideológicas em desfavor de fatos, evidências e, em alguns casos, do interesse maior do país.
O caso mais flagrante é o de Araújo, que transformou sua passagem pelo Itamaraty numa cruzada em defesa de Trump e contra o “globalismo”, o “comunismo”, o “marxismo cultural” etc., o que nos leva à mentira seguinte.
5) “Temos um cara que paga vexame na política externa.”
Bolsonaro só pode estar falando de si mesmo. Foi com ele e Ernesto Araújo que o Brasil perdeu protagonismo internacional, ficando literalmente pelos cantos em encontros e fóruns multilaterais de discussão sobre os temas mais prementes do planeta (entre eles as mudanças climáticas, sobre as quais a posição de Bolsonaro e Araújo também era expressamente negacionista).
Voluntariamente, perdemos lugar à mesa dos países mais importantes nos grandes debates globais – afinal, a luta era contra o “globalismo”. A cena mais emblemática do nosso apequenamento foi a do então presidente e sua comitiva comendo uma fatia de pizza numa calçada de Nova Iorque em 2021 por não poderem entrar no estabelecimento, já que não haviam se imunizado contra a Covid-19.
Bolsonaro abusou da sujeição do país a vexames internacionais, da conspurcação da boa imagem do Brasil no cenário mundial, do isolacionismo na política externa, da humilhante subserviência a Trump e das muitas polêmicas sem sentido, desastrosas em termos econômicos, com a China, a União Europeia e parceiros no Cone Sul.
6) “Vim pra cá com todos os riscos, assim como alguns colegas nossos infelizmente estão presos na Papuda hoje, por terem se manifestado. Alguns nem em Brasília foram, e foram presos.”
Soa como uma piada: os vândalos do 8 de janeiro só estavam “se manifestando”.
O 8 de janeiro não foi obra de “velhinhas ingênuas”, de “vovozinhos inocentes” etc. Esses foram a massa de manobra (muito embora ser idoso e ignorante não seja atenuante de culpa). Expressões como essas são usadas na tentativa de minimizarem a gravidade do 8 de janeiro e o que aquele acontecimento realmente significou: uma tentativa de romper com a institucionalidade do país, uma tentativa de golpe de Estado, simples assim, orquestrada por gente muito mais poderosa e importante que a pensionista do acampamento.
É preciso chamar as coisas pelo nome correto. Quem tenta dar golpe de Estado é “golpista”. Não tem outro nome. E deve responder por isso.
Contando com a omissão de certos agentes públicos, milhares de pessoas foram induzidas (por quem?) a invadir as sedes dos Três Poderes, quebrar tudo e ali se instalar. A ideia, nitidamente, era instaurar em Brasília um estado de caos e impedir os representantes constituídos dos Três Poderes da República de seguirem realizando os seus trabalhos. Só tem um detalhe: não deu certo.
Mas e se tivesse dado? Se aqueles terroristas travestidos de “patriotas”, clamando por uma “intervenção militar”, tivessem tido sucesso em implantar um estado de caos e ingovernabilidade, o que teria sucedido nas horas e nos dias seguintes? O governo recém-constituído teria condições de seguir governando?
Não é preciso ser um gênio político para entender que era esse o objetivo de quem arquitetou e financiou o movimento.
7) “A roubalheira está aí. Prejuízo na Petrobras. Deficit anual descomunal. Desemprego. Estatais dando prejuízo. O Brasil à deriva.”
O governo Bolsonaro fez deficit primário em 2019, 2020 e 2021. O desemprego caiu desde o fim do governo Bolsonaro (7,9% no trimestre encerrado em dezembro de 2022, contra 6,6% no trimestre encerrado em agosto de 2024). A inflação também está mais baixa.
O PIB do país em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro (antes da pandemia), ficou em 1,2%. O de 2023, primeiro ano do atual governo, ficou em 2,9%.
Em 2023, a Petrobras, maior estatal do país, teve lucro líquido de R$ 124,6 bilhões, o segundo maior valor da história da empresa.
Isso no campo econômico. Se esses resultados são parâmetro para sustentar a fatalista alegação de que o país “está à deriva”, que dirá, então, no governo anterior…
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