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Coluna Vitor Vogas

Armandinho Fontoura: de “preso político” a calouro na Ufes

Vereador foi mesmo aprovado, convocado e acaba de se matricular em curso de graduação da federal, logo após ter sido eleito para voltar à Câmara de Vitória. O Enem ele fez na prisão. Conheça aqui os detalhes de mais esse capítulo inusitado de uma história que não para de surpreender

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Armandinho passou e entrou na Ufes

Armandinho passou e entrou na Ufes

Vereador de Vitória, eleito em 2020. Presidente eleito da Câmara Municipal, em agosto de 2022. Preso, a pedido do MPES e por decisão do ministro Alexandre de Moraes, em dezembro de 2022. Investigado no inquérito das fake news. Afastado do mandato, por decisão da Justiça Estadual, no início de 2023. Solto, por decisão de Moraes, em dezembro de 2023. Portador, desde então, de tornozeleira eletrônica. Livrado de processo de cassação na Câmara no primeiro semestre. Filiado ao PL. Eleito vereador, para um segundo mandato, no dia 6 de outubro. E, agora, quem diria, calouro na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

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Cronologicamente, nesta ordem, esse é Armandinho Fontoura.

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Após ter sido uma das pedras no sapato da então chefe do MPES, Luciana Andrade; ter passado um ano vivendo entre muros de pedra; ter sido libertado e, em pedra cantada aqui, ter conseguido se eleger, mesmo afastado, para novo mandato na Câmara (Moraes, sem querer, lhe deu o caminho das pedras…); após tudo isso, vejam só, Armandinho, aos 33 anos, conseguiu entrar na Ufes e acaba de se matricular no curso de Gemologia, ciência que tem por fim identificar a natureza das pedras preciosas e classificá-las.

Parece conto do vigário ou de ex-presidiário, história de marinheiro ou de ex-prisioneiro, mas é fato confirmado por documentos oficiais da Ufes: Armandinho foi mesmo aprovado, convocado e já está matriculado no curso de graduação.

Afastado do presente mandato, mas já eleito para o próximo, o vereador diz que está realizando um sonho: “Estou muito feliz e motivado. Sempre quis estudar na Ufes”.

O curso é vespertino. De manhã, ele terá três sessões por semana na Câmara a partir de janeiro. À noite, bem… ele não poderia estudar: por força de uma das medidas cautelares impostas a ele por Moraes alternativamente à prisão, o agora estudante do 1º período de Gemologia não pode estar fora de casa após as 20 horas.

Para ingressar na universidade federal, Armandinho prestou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), no fim do ano passado, como qualquer outro candidato, mas com uma grande peculiaridade: fez a prova na condição de prisioneiro, em uma das salas de aula da Penitenciária de Segurança Média I, em Viana, onde passou a maior parte dos seus pouco mais de 12 meses de prisão.

Prisioneiros sentenciados que realizam o Enem conseguem remir parte da pena. Não era o caso do vereador: preso preventivamente por Moraes, ele não tinha condenação, nem mesmo denúncia formal. Não estava cumprindo sentença, logo não tinha pena para abater. Por que fez a prova, então? “Pra testar os meus conhecimentos, 15 anos após ter terminado o ensino médio”, explica ele. “Na prisão, eu lia muito. A leitura me libertou.”

Sua nota? 526,47, de acordo com os registros da Ufes. Boa ou ruim? Bem, foi o suficiente para ele entrar no bacharelado em Gemologia na Ufes, por meio do Sistema de Seleção Unificada (SiSU). No início do ano, começando a retomar a vida em liberdade, o parlamentar afastado se inscreveu no processo e marcou o curso como uma das suas opções. Foi convocado para ingressar na turma do segundo semestre. “Foi uma conquista pessoal pra mim. Não contei nem pra minha família que me inscrevi no SiSU.”

Devido à greve dos professores e servidores da Ufes, de abril a julho deste ano, o calendário acadêmico está bem “acidentado”. O segundo semestre letivo (2024/2), que deveria ter começado em princípios de agosto, só começou nesta semana.

Armandinho, porém, deu sorte nisso. Se o calendário estivesse normalizado, o início do semestre, em agosto, teria coincidido com o começo da campanha eleitoral… Ele não teria condição alguma de conciliar as duas coisas. Com a greve, o semestre letivo e a jornada acadêmica de Armandinho começaram exatamente após a eleição de 6 de outubro. O período de matrícula foi do dia 10 ao dia 15. E as aulas acabam de começar.

Nesta primeira semana, como manda a tradição, há uma programação especial de recepção e boas-vindas aos calouros. Na segunda-feira (21), animado, ele assistiu ao evento de abertura do semestre dedicado especialmente aos ingressantes, no Teatro da Ufes, com apresentações culturais e discurso de um dos pró-reitores.

O vereador destaca a sua satisfação pessoal por, enfim, estar frequentando o campus de Goiabeiras:

“Minha mãe é formada em Biblioteconomia pela Ufes. Meu pai também se formou lá. E minha avó, dona Dilma, foi servidora federal e secretária de vários reitores da Ufes”.

Armandinho conta que essa não foi a primeira vez que tentou fazer um curso de graduação na Ufes. Tendo recém-concluído o ensino médio, ele prestou vestibular para História, mas não passou. Depois, segundo ele, começou a cursar Direito na Multivix, mas não concluiu. Ele conta que é formado em Gestão Pública pela Uninter, uma faculdade particular, e que tem dois MBAs incompletos pela mesma instituição de ensino.

A federal, até então, era um projeto distante… Mas o vereador acabou entrando lá, vejam só, obliquamente, por ter entrado na cadeia. A prisão abriu, para Armandinho, as portas da universidade pública.

A alegria inicial é inegável, ladeada pelo orgulho em ter cumprido um objetivo pessoal, mas uma das três perguntas que não calam, e que fizemos a ele, é: vai dar para conciliar com o mandato na Câmara de Vitória?

“Vai ser um desafio pessoal, mas estou apto a enfrentar o desafio. No meio do curso, eu vou ter certeza de que é isso que eu quero? Não sei. Mas hoje é o que eu quero. Estou determinado a isso.”

Outra questão é que, pode não parecer para quem olha de fora, mas um curso de graduação stricto sensu e presencial, ainda mais numa federal, qualquer que seja ele, é sempre muito pesado. Além de extenso (Gemologia tem oito semestres), é intenso (de cinco a seis disciplinas por período). Cada uma delas, com uma carga de leituras, provas, trabalhos, seminários… Uma coisa é passar e entrar, outra é realmente cursar. Donde a segunda pergunta inevitável: ele quer mesmo ir até o fim?

“Quero cursar, sim, porque quero voltar ao ambiente acadêmico. Sinto que é algo que me fez falta. Me dediquei muito à política apenas. Ela me absorve muito. Quero fazer mais coisas. Com esse ano perdido, que me foi tirado, estou com a sensação de querer recuperar tudo, fazer tudo que sinto vontade dentro de mim. Vai ser uma experiência nova!”

A terceira pergunta diz respeito ao que talvez seja o detalhe mais inusitado em toda a história. Armandinho é um vereador de direita, filiado ao PL, inimigo de Moraes, aliado de Bolsonaro. Transformou seu comitê de campanha, no coração da Praia do Canto, na chamada “Casa Bolsonaro”.

Já as universidades federais em geral, incluindo a Ufes, são “ecossistemas intelectuais” hegemonizados pelo pensamento de esquerda, aliás abominados por muitos representantes do bolsonarismo (a começar pelo próprio Bolsonaro, seu ex-ministro da Educação Abraham Weintraub e por aí vai…). Para darmos um exemplo, um dos principais aliados de Armandinho atualmente, Gilvan da [outra] Federal, costumava dizer da tribuna da Câmara de Vitória, como colega de Armandinho, que a Ufes não passava de um lugar de “comunistas e maconheiros”…

Preconceitos e grosserias à parte, é fato que a mentalidade de esquerda predomina no ambiente acadêmico, entre docentes e discentes. A direita ali entende o conceito de “minoria”. E é mais fácil achar um marxista na Polícia Militar do que um eleitor de Bolsonaro no campus de Goiabeiras. Isso posto, como “o vereador da direita” lidará com esse choque? Como espera que seja a interação com professores e colegas? E quais foram suas primeiras impressões?

“Achei uma ironia muito grande do destino. O destino me tira da zona de conforto e me coloca numa situação… Mas meu objetivo não é viver uma batalha campal política. Te confesso que cheguei lá meio com o pé atrás e observei atentamente todas as falas, para ver se teria algum componente ideológico ou partidário da Pró-Reitoria, de todos os representantes ali, na cerimônia de boas-vindas… Isso estava dentro de mim, me consumindo. Me surpreendi positivamente. Ninguém fez palanque político-ideológico. Falaram sobre valores, o que a sociedade espera do mundo acadêmico… Incutiram valores educacionais na meninada. Eu gostei. Saí bem crédulo. Esperava encontrar um ambiente doutrinador já no primeiro momento.”

Ele conclui:

“Estou muito esperançoso e feliz. Acho que será uma convivência boa e pacífica, porque respeito as pessoas, sou um cara do diálogo. Se não me desrespeitam, também não desrespeito ninguém. Mas, cara, estou vendo isso mais como uma experiência sociológica pra mim do que qualquer outra coisa… Há uma diferença geracional para a garotada de 18 anos, há a diferença ideológica… Acho que vai ser uma experiência muito enriquecedora pra mim.”

Depois de um ano vivendo no presídio e convivendo com condenados, eis o novo laboratório sociológico de Armando Fontoura Borges Filho.


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