Coluna João Gualberto
A matriz política dos evangélicos brasileiros
Muito se tem discutido sobre a influência que a eleição de Donald Trump terá no pleito brasileiro de 2026, especialmente na escolha do nosso próximo presidente da República. Há um projeto da direita mundial que certamente será favorecido com a escolha feita agora pelos estadunidenses, inclusive no Brasil e nas próximas eleições.
Entretanto, não creio que o homem mais poderoso do planeta irá se importar com qual liderança brasileira será beneficiada. Provavelmente é mais importante para ele a manutenção do processo político em patamares conservadores do que propriamente o nome do vencedor. Substituir a esquerda no poder aqui deve ser mais importante do que tentar se envolver com o nome do candidato que será eleito.
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Creio mesmo que algumas instituições que povoam a cena política no Brasil serão fortemente influenciadas pela volta de Trump e da direita americana ao poder. Dentre elas estão certamente as igrejas evangélicas. Várias são as razões históricas para que isso aconteça, e a principal deve-se ao fato de que elas chegaram ao Brasil somente no século XIX, já com influência das americanas.
Há uma razão para isso. É que durante todo o período colonial, e mesmo no Império, o catolicismo era a religião do estado, o que significava que ninguém que vivesse em nosso solo poderia legalmente professar qualquer outra religião. Isso tem história. Quando os portugueses aqui chegaram havia acontecido a chamada reforma protestante em terras europeias. A resposta da igreja católica foi a contrarreforma, que instituiu um processo muito mais rigoroso de controle da população em relação à religião.
A Santa Inquisição se instalou entre nós, esteve mesmo em Vitória por algumas vezes, e instituiu um processo de perseguição feroz aos que não professavam o catolicismo e todos os seus rituais, que eram obrigatórios. Qualquer movimento em direção à lógica dos reformados que se criasse no Brasil colônia seria rechaçado imediatamente. Por essa razão, somente no Brasil independente algumas dessas igrejas puderam chegar ao país, ainda que de forma mais amena, com pouca visibilidade.
A primeira foi a igreja evangélica de confissão luterana, que chegou com os imigrantes germânicos a partir das primeiras décadas do século XIX, mas que ficou inicialmente muito restrita a esses grupos na sociedade. Mais para o fim do século, no segundo reinado, chegaram os missionários americanos, junto com imigrantes vindos dos Estados Unidos, boa parte batistas, mas também presbiterianos, membros da igreja congregacional e adventistas, dentre as mais conhecidas até hoje.
Os pentecostais da Assembleia de Deus desembarcam no início do século XX, primeiramente no Pará, e depois ganharam todo o território nacional. Também eles chegaram por meio de missionários americanos. Esse é o ponto sobre o qual eu quero chamar a atenção: o fato de a origem do nosso movimento evangélico estar vinculado à forma como os norte-americanos viveram a reforma protestante. Somos umbilicalmente vinculados aos Estados Unidos em termos do movimento evangélico, inclusive em padrões estéticos. O crente tradicional herdou dos missionários seu estilo de se vestir e seu gestual contido. Essa vinculação é mais do que importante para que se entenda por que a expansão dos evangélicos no Brasil se dá a partir dessa matriz.
Não é por outra razão que a expansão recente das igrejas evangélicas no Brasil não apenas fez crescer o sentido conservador, como também se vinculou com a direita, a qual passou a dominar o partido republicano nos Estados Unidos. Mais recentemente as igrejas evangélicas de corte mais jovem passaram a se denominar church e a fazer cultos totalmente americanizados. A extrema vinculação a Israel, inclusive na defesa da guerra de Gaza, certamente vem daí.
Essa é a trama política mais densa que, na minha opinião, a vitória de Trump trouxe: o apoio a uma matriz conservadora de origem cristã e evangélica que define os EUA como parceiro privilegiado e a nação mais importante do mundo. Defender tais valores certamente faz sentido para o novo governo americano. Já com relação à escolha de quem será o nosso próximo presidente, é um problema nosso, provavelmente não faz parte da pauta deles.
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