Coluna Inovação
Temos todo o tempo do mundo
Renato Russo teria 64 hoje, cantando “Temos todo o tempo do mundo”? Provavelmente
O livro de Monteiro Lobato, Reinações de Narizinho, publicado em 1931, começa assim: “Numa casinha branca, lá no sítio do Pica-pau Amarelo, mora uma velha de mais de sessenta anos. Chama-se dona Benta.” Ora, velha com sessenta anos? Tudo mudou desde 1931. A atenção à saúde, novos tratamentos, exercícios físicos, plásticas e botoxes, remédios, cirurgias, atitudes perante a vida, novos casamentos, tudo isso modificou o conceito de velhice.
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Temos desde exoesqueletos, próteses de todo tipo, chips no cérebro, nanorobôs, transplantes de quase todos os órgãos, edição genética, lentes intraoculares até implante capilar, lipoescultura ou a etérea harmonização facial. Fica pendente de solução uma nova forma de desigualdade social: quem pode e quem não pode pagar pelo rejuvenescimento.
As companhias aéreas perceberam essas mudanças e modificaram a idade para filas preferenciais de 60 com nova faixa de 80 anos, considerando que a imagem de idosos nas placas mostram um indivíduo curvado apoiado numa bengala, longe da figura atual de um sexagenário. Além disso, com um número cada vez maior de pessoas mais velhas, as filas de preferenciais começam a ficar maiores que as filas comuns.
Falta avisar à imprensa, que continua a noticiar atropelamentos de idosos de 60 anos, muitos dos quais talvez prefiram morrer atropelados que serem chamados de idosos. Isso faz lembrar João Ubaldo Ribeiro, que já se foi: “Prefiro que me chamem logo de ancião a me classificarem como “na melhor idade”, caso que já é para reagir à bala. Aqui para sua melhor idade.”
Não faz mais sentido as prefeituras darem carteirinhas para idosos com 60 anos, reservando vagas de estacionamento ou preferência nas filas dos bancos e supermercados para cidadãos que passam serelepes na frente, sob os olhares desconfiados do resto da fila.
Renato Russo teria 64 hoje, cantando “Temos todo o tempo do mundo”? Provavelmente. As mudanças ficam evidentes observando os que já passaram dos 70 (ou 80 ou 90) Fernanda Montenegro, Caetano, Gil, Bethânia, Chico, Roberto, Jorge Ben Jor, Mick Jagger, Paul McCartney(lá vem ele novamente), Meryl Streep, Warren Buffett, Lula, Temer, Trump e Xi Jiping e que continuam por aí com suas performances particulares. E tem cada vez mais gente passando dos 100.
Tudo bem que um mais cínico já disse que você pode viver até os cem anos se abandonar todas as coisas que fazem com que você queira viver até os cem anos, ou que envelhecer é como morrer afogado: uma sensação deliciosa, depois que você para de se debater.
Porém, é justa a mudança de idade de aposentadorias que acontece no mundo todo. Quem se aposentar com 60 anos, tem possibilidade de viver até os 90 pelo menos, sendo sustentado por 30 anos com o dinheiro recolhido de todos nós – não faz sentido e, mesmo assim, há sérias dúvidas de onde sairá o dinheiro para pagar essa conta.
Cada vez mais pessoas adiam aposentadorias por necessidade, para fugir do isolamento social ou por gostar do trabalho que fazem. O etarismo, ou o preconceito contra as pessoas mais velhas, terá que diminuir, até porque eles serão muitos e haverá menos jovens. As empresas, nos seus ESG, terão que entender isso no social e mudar restrições de contratação para o trabalho. Tem gente voltando para a universidade mais velha ou começando nova profissão. Como diz Yuval Harari em Homo Deus, os setenta anos ameaçam tornar-se os novos quarenta.
Essas mudanças geram oportunidades. Peter Diamandis, reitor da Singularity University no Vale do Silício, diz no livro “Oportunidades Exponenciais” que existem mais de US$ 50 trilhões depositados nas contas bancárias de pessoas com mais de 65 anos. Novos produtos e serviços estão à espera que os desenvolvedores e empreendedores os projetem e produzam, buscando o verdadeiro sonho maior de Diamandis e de todos nós: a imortalidade. Mas Woody Allen esclareceu: “Não quero atingir a imortalidade por meio do meu trabalho. Quero atingi-la não morrendo”.
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