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Bem-estar

Hospital nega colocar DIU em paciente por motivos religiosos. Pode isso?

Instituição de saúde ligada à Igreja Católica se recusou a fazer um procedimento contraceptivo com DIU

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Diu está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Foto: Rui Porto Filho

Diu está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Foto: Rui Porto Filho

“Vocês acham que é fácil ser mulher? Ontem fui a uma consulta no Hospital São Camilo e a médica me informou que não pode colocar o DIU em mulheres porque isso vai contra os valores religiosos da instituição.”

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Foi dessa maneira que a produtora de conteúdo Leonor Macedo se pronunciou no X, antigo Twitter, na última terça-feira (23). O questionamento desencadeou um debate sobre o acesso a procedimentos e tratamentos em instituições de saúde com vínculos religiosos.

Em meio a discussão, o Hospital São Camilo (SP), respondeu diretamente à postagem afirmando que “por diretriz institucional”, não realiza procedimentos contraceptivos, “seja em homens ou mulheres”.

O DIU é um dispositivo intrauterino, um pequeno objeto de metal ou plástico implantado no útero, funcionando como método contraceptivo de longa duração, com eficácia comprovada por estudos clínicos e disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).

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Mas um centro de saúde pode negar a realização do procedimento alegando razões religiosas? Juridicamente, essa negação é passível de processo da produtora de conteúdo com o hospital paulista?

Violação do direito

O advogado Henderson Fürst analisa que ocorreram violações de direitos neste caso específico. A lei estabelece que o planejamento familiar é direito de todo cidadão. “Ou seja, estamos diante de uma infração dos direitos que todo brasileiro possui em relação ao planejamento familiar”.

“Se estivéssemos falando de a instituição recusar uma cirurgia plástica estética, que não está vinculada a um direito fundamental, estaríamos diante de um cenário bem distinto”, exemplifica.

Fürst ressalta que os médicos têm o direito de recusar atendimento, procedimentos ou tratamentos com base em objeção de consciência, de cunho moral, ético ou religioso. Contudo, ele argumenta que tal prerrogativa não se aplica às instituições de saúde.

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“Uma instituição de saúde não pode argumentar que não comunga com determinados valores e deixar de prestar o serviço”, alerta. Para ele, quando um hospital impede os médicos de realizar um procedimento regulamentado e aprovado por agências regulatórias, há uma limitação da autonomia desses profissionais de saúde.

Direitos médicos

Para o advogado e professor Fernando Aith, o posicionamento do hospital representa uma extrapolação dos direitos garantidos aos médicos. “Do ponto de vista jurídico, o profissional médico pode se recusar a fazer um atendimento que vá contra qualquer crença ou convicção particular que ele possua. A novidade é esse tipo de postura ser adotado por uma instituição”, ressalta.

“Por ser uma instituição privada religiosa, o hospital pode ter regras internas que impõem certos limites aos procedimentos. Nesse caso, estaríamos diante de uma extensão analógica de uma regra que vale para o médico, como pessoa física, para o empregador. E isso é algo que pode gerar controvérsias jurídicas”, admite.

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Ele destaca a questão da autonomia médica e questiona como o Conselho Federal de Medicina (CFM) se posicionaria diante de uma situação como essa. “O empregador pode estar impondo aos seus médicos um tipo de conduta terapêutica que o profissional não necessariamente concorda.”

“Se existir esse tipo de recusa para pacientes do SUS, haveria uma violação de toda a lógica do sistema de saúde e dos protocolos de contracepção estabelecidos no país”, interpreta ele.

Urgência e emergência

A advogada Mérces da Silva Nunes avalia que a conduta do Hospital São Camilo não suscita problemas do ponto de vista jurídico. “Primeiro, trata-se de uma instituição privada, que professa a doutrina da Igreja Católica e segue esse regramento. Além disso, nesse caso concreto, não há uma situação de urgência ou emergência em relação à saúde ou à vida da paciente, explica.

“Toda a questão está centrada na necessidade imediata de socorro do paciente. O planejamento familiar é uma necessidade, mas não é algo que terá um impacto imediato na saúde do indivíduo. É algo diferente de você precisar socorrer alguém com prontidão, para evitar uma morte.”

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“Ou seja, como não era uma situação de emergência, eu entendo que a instituição pode sim autorizar ou não determinados procedimentos”, acrescenta.

Para a especialista, este caso envolve a ponderação de diferentes direitos fundamentais. Por um lado, as pessoas têm assegurado por lei o acesso ao planejamento familiar. Por outro, há questões de liberdade religiosa — e instituições privadas podem escolher os procedimentos que oferecem ao público.

“Se esta fosse a única instituição que realiza esse tipo de procedimento, daí entendo que ela não poderia se recusar a fazê-lo. Mas é possível acessar esse método contraceptivo por outros meios, no próprio plano de saúde”, argumenta ela.

Código de Ética Médica

O médico infectologista Dirceu Greco destaca que este não é o primeiro incidente envolvendo instituições de saúde ligadas à Igreja Católica recusando métodos contraceptivos em consultas. Na avaliação do professor, ao recusar o acesso a métodos contraceptivos, um hospital pode estar desrespeitando os artigos do Código de Ética Médica.

“O artigo 42 diz que este profissional de saúde não pode ‘desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre método contraceptivo, devendo sempre esclarecê-lo sobre indicação, segurança, reversibilidade e risco’.”

“Então, do ponto de vista da bioética, há vários riscos numa situação como essas. Primeiro, mesmo num Estado laico como o nosso, parece haver um impedimento para que as coisas aconteçam com respeito à separação entre Igreja e o Estado”, opina Greco.

*Com informações BBC Brasil.


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