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Coluna Vitor Vogas

O candidato a governador do Espírito Santo que é realmente comunista

O que de fato defende o único candidato ao governo que verdadeiramente faz jus a essa classificação. E por que as suas propostas não têm a mínima chance de dar certo

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Capitão Sousa na convenção do PT. Foto: Vitor Vogas

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O termo foi vulgarizado, virou um lugar-comum, usado de maneira equivocada por alguns militantes e políticos de extrema-direita para tachar genericamente qualquer adversário de esquerda (ou qualquer crítico). Mas aplica-se perfeitamente ao Capitão Vinícius Sousa, como ele mesmo confirma sem titubear: “Sim, sim, sou comunista”.

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O candidato ao Governo do Estado pelo PSTU é um tipo peculiar. E não apenas por ser um oficial da Polícia Militar que defende, por exemplo, a legalização da maconha e a desmilitarização da PM.

Sousa é candidato a governador dentro das regras do sistema democrático. Mas não acredita na democracia liberal e representativa (baseada no Parlamento, na divisão dos Três Poderes), nem em nosso sistema de governo, nem mesmo em nosso sistema de escolha de governantes e parlamentares pelo voto popular a intervalos regulares. Tampouco acredita que tais governantes e parlamentares serão capazes de realizar as grandes transformações que ele julga realmente necessárias. Na verdade, ele quer romper com tudo isso.

“O sistema político que nós temos é um sistema político que serve à burguesia. Mas o povo sabe que esse sistema político não serve à classe trabalhadora. Nossa proposta traz, desde o início, de maneira muito clara, que é preciso uma transformação no sistema político. E uma transformação nesse sentido não passa apenas pela eleição.”

Por que ele disputa a eleição, então? O capitão responde: porque a campanha eleitoral é o momento privilegiado para se levar às “massas” a mensagem revolucionária de que os trabalhadores precisam se unir e se mobilizar para fazer a “revolução do proletariado”. Em última análise, o que Sousa defende é a superação do capitalismo e da democracia liberal pela implantação do regime comunista. Só isso.

“É necessário nós, classe trabalhadora, nos organizarmos. Esse é o único objetivo verdadeiro e interessante das eleições. O único! E que não tem sido aproveitado.”

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Seu plano de governo é aberto com a seção “A construção da revolução socialista brasileira dentro da realidade do Espírito Santo”. Na página 3, lemos: “Sobretudo no atual contexto de coesão dos de cima, nós, trabalhadores e trabalhadoras, devemos estar conscientes, organizados e unidos. Conscientes de que o Estado é criação da burguesia, portanto inimigo da classe trabalhadora. Organizados, para sermos capazes de promover a ruptura do sistema político. E unidos no objetivo da nossa emancipação, no sentido da Revolução Brasileira Socialista.”

Portanto, o que ele propõe, sem tirar nem pôr, é uma mudança radical e de abrangência nacional do sistema de organização do Estado, da economia e da sociedade brasileira. A superação do capitalismo pela implantação do regime socialista, como estágio intermediário para a instauração do comunismo, a partir da revolução do proletariado em pleno ano de 2022, segundo o modelo idealizado por Marx e por muitos pensadores marxistas ao longo do século XX.

Por evidente, são propostas anacrônicas, superadas pela História e que parecem saídas direto de 1917 ou de livros publicados por Marx e Engels no século XIX. Mas, antes de mais nada, são propostas totalmente inexequíveis. Fazer a “revolução socialista” é tarefa que vai muito além das possibilidades reais de um governador eleito (supondo que ele fosse eleito) … como o próprio Sousa reconhece, aliás:

“Isso não será obra de um governador… nem mesmo de um presidente da República! Isso só pode ser obra da classe trabalhadora. Agora, é muito importante uma candidatura da classe trabalhadora, para que nós tenhamos a apresentação dessa questão para os trabalhadores, a necessidade de eles se organizarem, de todos nós, trabalhadores, nos organizarmos em qualquer que seja o nosso setor de trabalho”, afirma Sousa, explicando também o porquê da sua candidatura:

“Nós temos um sistema político vulgar. Não é a presença de um governante ou de um parlamentar de direita ou de esquerda que modifica isso, mas, como eu disse inicialmente, é a posição do povo em luta, para exigir essas transformações.”

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“Todo o poder para o povo”

Candidato pelo trotskista PSTU, o Capitão Vinícius Sousa também é membro do movimento Policiais Antifascistas e de uma organização política chamada Revolução Brasileira. Suas propostas, registradas em seu programa, convergem para a implantação de um sistema de governo baseado no exercício direto do poder pelo povo, por meio da formação de conselhos populares, de conselhos profissionais e da realização de plebiscitos.

“O que apresento para você, meu irmão trabalhador, é uma nova forma de fazer política, diretamente com a classe trabalhadora. Nós precisaríamos de um modelo de plebiscitos, um modelo de conselhos populares, um modelo que realmente ouvisse as pessoas, o povo capixaba. Não apenas, de quatro em quatro anos, o cidadão ser chamado às urnas para referendar o nome de A ou B para governar o Estado. Pelo contrário, o povo é quem deve fazer a gestão do sistema político.”

Assembleia Legislativa: só um detalhe

Esse modelo fere de morte a democracia representativa, já que dispensa a mediação de representantes parlamentares entre os interesses dos cidadãos e o Estado. Por consequência, o Parlamento cumpre função praticamente decorativa. Como o próprio Sousa admite, em eventual governo seu, a Assembleia Legislativa seguiria existindo, mas seria praticamente ignorada pelo governador – ao arrepio, obviamente, da Constituição Estadual e da Federal.

“O nosso compromisso é direto com a população capixaba.  Direto com a população capixaba! A Assembleia, eleita pelo povo, terá todo o nosso respeito. Tá lá. Agora, a nossa conversa, nenhuma conversa, nenhum acordo, nenhum diálogo necessariamente passando por Assembleia nenhuma. O nosso diálogo tem que ser com a classe trabalhadora. A gente apresenta a pauta: um grande plano de obras públicas. […] A Assembleia vai aprovar? Pra mim, isso é menos relevante. É menos relevante. Eu quero apresentar para a população e marcar a data. Exemplo: dia 25 de janeiro, em frente à Assembleia, eu entrego lá a proposta. Aí, depois, a Assembleia que se veja com o povo.”

Fora da realidade

A rigor, tudo o que Sousa está propondo significa rasgar a Constituição Federal em vigor e acabar com a nossa democracia para fazer a “revolução” (tomada do poder à força pelo povo).

Com todo o respeito pelo candidato que legitimamente se apresenta no pleito e defende honestamente suas ideias: é um grande delírio. Em primeiro lugar, uma ruptura de tal monta implicaria em uma guerra civil (com o povo “pegando em armas” etc.), o que demandaria apoio popular maciço que a “causa comunista”, hoje em dia, está a anos-luz de inspirar.

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Falar em “revolução socialista” talvez ainda fizesse algum sentido muitas décadas atrás, em meados do século passado. No ponto em que o Brasil se encontra hoje, soa datado, fora do tempo e completamente descolado da realidade presente. Como admite Sousa, nem mesmo o presidente da República teria condições de colocar em marcha a “revolução”, que dirá o chefe do Poder Executivo de uma mera unidade federativa…

De todo modo, fica para a história das eleições no Espírito Santo o caso curiosíssimo do candidato que disputa a eleição a governador segundo as regras do sistema democrático, mas que declaradamente não acredita em nossa democracia e propõe, em última instância, a implosão desse sistema.

Crítica histórica ao comunismo

Historicamente, a ideologia comunista teve méritos. Sem os pensadores e revolucionários comunistas, não teriam sido possíveis uma série de conquistas para a classe trabalhadora, como a aquisição de direitos trabalhistas impensáveis nas origens do capitalismo industrial predatório e a formação de um Estado de bem-estar social implementado pelas social-democracias europeias após a Segunda Guerra Mundial e espalhado pelo mundo nas décadas seguintes.

Os conceitos de justiça social, igualdade social e inclusão social entraram para não sair mais na ordem do dia e na agenda dos governantes liberal-democratas contemporâneos (ao menos na dos mais progressistas).

No entanto, o comunismo caducou. Foi superado pela História e derrotado pelas próprias contradições: o abismo entre a teoria e a prática real. No papel, poderia parecer muito belo o sistema de organização do Estado, da economia e da sociedade tal como idealizado por Marx e por marxistas. Mas o “socialismo real” fracassou clamorosamente em concretizar seus ideais de prosperidade e distribuição de riquezas para todos. Fracassou, acima de tudo, no cumprimento de sua maior promessa: a de igualdade entre os homens.

Sem exceção, em todas as mais importantes experiências de implantação de regimes realmente socialistas (a União Soviética, a China de Mao, a Coreia do Norte, a Cuba de Castro), a promessa de prosperidade deu lugar a extremas privações. E, o que é mais importante, a promessa de igualdade e de um “governo do povo” foi desvirtuada e pervertida pela instauração de tiranias: governos autoritários, altamente centralizados e baseados no culto à personalidade de um “grande líder” carismático.

A pretexto de promover a igualdade, exterminaram as liberdades individuais, incluindo a de expressão, a de pensamento e a de opinião política: implantaram censura, repressão e terrorismo de Estado, perseguiram cruelmente críticos e opositores internos (os gulags de Stalin, a Revolução Cultural de Mao, os paredões de Che), eliminaram adversários, aniquilaram todo possível foco de dissidência e resistência. Detonaram direitos humanos.

Há ditaduras comunistas e fascistas, de esquerda e de direita, civis, militares ou civil-militares (como a nossa, de 1964 e 1985). Nenhuma delas é boa. Nem pode ser desculpada por seus crimes.

Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 39 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

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