fbpx

Coluna Vitor Vogas

Fornecimento de Cannabis medicinal pelo SUS vai virar lei no ES

Após “sanção tácita” por parte do governador, presidente da Assembleia vai promulgar nova lei, proposta por deputado que é pastor evangélico

Publicado

em

Medicamento à base do canabidiol

Em breve, o Espírito Santo terá uma lei estadual para garantir o acesso gratuito à chamada “Cannabis medicinal”, via Sistema Único de Saúde (SUS), a pacientes que sofrem de uma série de doenças.

> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!

A lei será promulgada, nos próximos dias, pelo presidente da Assembleia Legislativa, o deputado Marcelo Santos (Podemos), após o governador Renato Casagrande (PSB) decidir nem vetar nem sancionar a iniciativa do deputado Bispo Alves (Republicanos), que prevê a implantação de uma política estadual de fornecimento gratuito de medicamentos à base de canabidiol, substância extraída da planta da maconha, na rede pública de saúde do Espírito Santo.

Receba as notícias da coluna no grupo de Whatsapp do Vítor Vogas.

Apresentado em fevereiro pelo deputado do Republicanos, o projeto de lei foi aprovado pela Assembleia com ampla margem, em sessão plenária realizada no dia 23 de outubro. Após a aprovação, seguiu para a análise do governador, que, legalmente, tinha 15 dias para se posicionar sobre a matéria. Poderia sancioná-la ou vetá-la (total ou parcialmente). 

Casagrande, entretanto, decidiu deixar vencer o prazo legal sem adotar um posicionamento. O prazo, aliás, já expirou. A falta de manifestação do chefe do Executivo corresponde à “sanção tácita” de sua parte. Na prática, ele permite que o projeto vire lei, mas sem deixar suas impressões digitais nem se responsabilizar pessoalmente pela decisão; basicamente, é um “lavar de mãos”.

Agora, compete a Marcelo Santos, como presidente do Poder Legislativo, promulgar a nova lei para que o texto passe a fazer parte do ordenamento jurídico estadual. 

O mérito do projeto é reconhecido até por agentes políticos da alta cúpula do governo, por se tratar de uma questão de saúde pública e de empatia com pessoas em sofrimento e de baixa renda. 

Entretanto, há um aspecto legal importante que não pode ser ignorado. A rigor, o projeto cria não só novas atribuições como despesas para o Poder Executivo Estadual, sem nem sequer especificar as fontes de recursos para cobrir os novos gastos. 

Tecnicamente, o texto pode ser considerado inconstitucional por conter vício de iniciativa: foi proposto por um deputado e originou-se, portanto, da Assembleia, mas somente o chefe do Executivo pode propor novas leis que criem despesas e competências para tal Poder.

Na Procuradoria-Geral do Estado (PGE), qualquer parecerista minimamente rigoroso recomendaria ao governador, no mínimo, veto parcial. 

Se tivesse sancionado o projeto, Casagrande poderia ter aberto um precedente perigoso que teria tudo para se voltar contra ele mesmo. A “inconstitucionalidade por vício de origem ou de iniciativa” é usada à exaustão como argumento pelo governador (não só o atual), sempre amparado em pareceres da PGE, como argumento para vetar projetos de lei de deputados que criam despesas ou simplesmente não convêm ao governo.

Entenda o projeto

Inspirado em lei sancionada em janeiro em São Paulo pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), o projeto do Bispo Alves visa democratizar e desburocratizar o acesso à “Cannabis medicinal” no Espírito Santo para pacientes que necessitam fazer uso dos medicamentos à base da substância, mas não têm condições de pagar por tais remédios porque são importados e caros.

Como se trata de tema cercado de muito preconceito e desinformação, é preciso enfatizar que o projeto trata exclusivamente do uso terapêutico e medicamentoso de algumas substâncias encontradas na Cannabis sativa (nome científico da planta da maconha). Não tem nada a ver com o uso recreativo da maconha, que é uma outra discussão.

Também chamado no meio médico de CBD, o canabidiol é uma das muitas dezenas de substâncias químicas canabinoides encontradas na Cannabis sativa. Constitui boa parte da planta, chegando a representar mais de 40% de seus extratos.

Textualmente, o projeto “institui [no Espírito Santo] a política estadual de fornecimento gratuito de medicamentos formulados de derivado vegetal à base de canabidiol, em associação com outras substâncias canabinoides, incluindo o tetrahidrocanabidiol em caráter de excepcionalidade, pelo Poder Executivo nas unidades de saúde pública estadual e privada conveniada ao Sistema Único de Saúde – SUS”.

Além de facilitar o acesso à “Cannabis medicinal”, o projeto pretende popularizar informações corretas sobre o tema.

Um de seus objetivos específicos é “promover políticas públicas de debate e fornecimento de informação a respeito do uso dessas substâncias para fins medicinais através de palestras, fóruns, simpósios, cursos de capacitação de gestores e demais atos necessários para o conhecimento geral da população acerca dos benefícios desse tratamento, realizando parcerias público-privadas com entidades, de preferência sem fins lucrativos”.

A implantação da política prevista no projeto ficará a cargo da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa). A Sesa terá 30 dias, a partir da publicação da lei, para criar comissão de trabalho com esse fim, incluindo técnicos e representantes de associações sem fins lucrativos de apoio e pesquisa ao canabidiol e de associações representativas de pacientes.

A lei entrará em vigor 90 dias após a data de sua publicação.

A justificativa oficial

Na justifica do projeto, o Bispo Alves argumenta:

“Remédios à base de canabidibiol em associação com outras substâncias canabinoides, incluindo o tetrahidrocanabidiol, têm se mostrado cientificamente eficazes para o tratamento de alguns quadros de diversas doenças e síndromes, como a epilepsia refratária, convulsões, autismo, câncer, depressão, ansiedade, insônia, dependência química, dores crônicas, esquizofrenia, fibromialgia, náuseas, artrite, asma, síndrome de Dravet, síndrome de Tourette, Transtorno de Estresse Pós-Traumático, esclerose múltipla, glaucoma, estresse, inflamações, Parkinson e Alzheimer”.

O deputado ressalta que, apesar de tais medicamentos serem comprovadamente necessários no tratamento de muitos pacientes, são também inacessíveis para grande parte deles, por custarem muito caro.

“Especificamente, esse projeto tem por objetivo viabilizar o acesso para o tratamento com esses medicamentos, sem a necessidade de provocação do Poder Judiciário, que na atualidade surge como única alternativa para que seja possível a salvaguarda e a efetivação do direito ao acesso a esse tipo de tratamento. Cumpre salientar que o assunto vem sendo debatido no âmbito do Congresso Nacional, inclusive com a realização de audiências públicas para discutir o tema”, conclui o proponente.

Um bispo e um delegado

Na Assembleia Legislativa, o autor do projeto surpreendeu. Em seu primeiro mandato político no Espírito Santo, Benedito Alves, o Bispo Alves, é pastor evangélico licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus e já foi deputado estadual no Rio de Janeiro. 

Seu partido, o Republicanos, se intitula “o mais conservador do Brasil”. Mas não nesse tema, esclarece o autor da matéria, por se tratar unicamente do uso medicinal de substâncias da planta, com benefícios cientificamente comprovados.

Ao projeto do Bispo Alves foi juntado outro com a mesma finalidade, apresentado por um segundo deputado conservador de direita, o Delegado Danilo Bahiense (PL).

O próprio Bispo Alves decidiu protocolar o projeto – o primeiro apresentado por ele – por inspiração de um caso real vivido em sua família. “Tenho uma filha com um probleminha de saúde, que sentiu melhoras após passar a utilizar o medicamento. Não só ela, mas todas as pessoas que tomam”, contou ele em entrevista à coluna, publicada no dia 27 de fevereiro.

Após a aprovação do projeto na Assembleia, no fim de outubro, o deputado discursou no plenário: 

“Esse projeto é de suma importância para garantir o acesso da população menos favorecida a esse tipo de medicamento. Eu sei a dificuldade que as pessoas que necessitam desses remédios enfrentam para garantir o uso desses medicamentos. O uso medicinal do canabidiol já foi aprovado pela Anvisa, ou seja, é cientificamente comprovada a sua eficácia para o tratamento de mais de 25 doenças crônicas. Dessa forma, a aprovação desse projeto é um grande avanço para a saúde pública do estado do Espírito Santo, ficando garantido o fornecimento gratuito no Sistema Único de Saúde dos remédios à base do canabidiol. Tenho certeza que todos nós estamos ganhando com a aprovação desse projeto.”


Valorizamos sua opinião! Queremos tornar nosso portal ainda melhor para você. Por favor, dedique alguns minutos para responder à nossa pesquisa de satisfação. Sua opinião é importante. Clique aqui