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Coluna Vitor Vogas

O puxão de orelha e a lição deixada por Lula a seus apoiadores no ES

Na entrega do Contorno do Mestre Álvaro, deputados de direita que votaram em Bolsonaro no ano passado foram vaiados. Presidente repreendeu plateia

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Lula discursa durante entrega da Rodovia do Contorno do Mestre Álvaro, na Serra (15/12/2023). Foto: Hélio Filho/Secom

Bem em frente ao colunista, um operário da construção civil que trabalhou na obra do Contorno do Mestre Álvaro comentou com o colega, entre irônico e indignado: “Só tem gente do PT aqui mesmo, né? Quando é gente do PT, é ‘êêêê!’… Quando não é, é ‘uuuuuhhhh!’”.

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Não estava errado.

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O comentário foi flagrado durante a cerimônia de inauguração da obra viária que promete desafogar o trânsito do trecho da BR-101 que corta a Serra, realizada na tarde desta sexta-feira (15). No palanque, entre outras autoridades estaduais e federais, estavam o governador Renato Casagrande (PSB) e o presidente Lula (PT), em sua primeira visita ao Espírito Santo desde 2017.

Como já era de esperar, a festa foi toda do PT. Mais precisamente, de petistas, de simpatizantes do partido, de partidários da esquerda, de movimentos sociais e, acima de tudo, de apoiadores e fãs de Lula.

Mas o efeito colateral foi sentido na pele por dois deputados integrantes da bancada do Espírito Santo no Congresso Nacional: Gilson Daniel (Podemos) e o coordenador da bancada, Josias da Vitória (PP). Para todas as outras autoridades anunciadas no palco, principalmente petistas, aplausos e vivas da plateia; para esses dois, principalmente, apupos.

Não que fossem “penetras”, “infiltrados” ou algo assim… Se estavam ali é porque, obviamente, foram convidados pelo cerimonial e eram bem-vindos pelos anfitriões da festa. Mas é como se fossem “elementos estranhos ao conjunto”, naquele contexto.

Gilson Daniel e Da Vitória apoiaram a reeleição de Casagrande na disputa estadual do ano passado. Na presidencial, apoiaram manifestamente Bolsonaro. Foram expoentes do “voto Casanaro” no 2º turno. E a claque petista não perdoa. Para um apoiador de Lula, não há falta maior que a de se ter votado em Bolsonaro, o suprassumo do antipetismo.

Sobraram ainda algumas vaias para o deputado estadual Alexandre Xambinho (Podemos), aliado de Casagrande e do prefeito Sérgio Vidigal (PDT), e até algumas, bem de leve, para o próprio Vidigal – estas possivelmente por questões mais pontuais da Serra, já que ele é notório apoiador de Lula, e o PDT está no mesmo campo do PT.

Foram momentos um pouco embaraços para os políticos vaiados – notadamente, Daniel e Da Vitória.

Eis que Lula assume a palavra e, num discurso inspirado (e inspirador), toma as dores dos alvos dos apupos e, muito delicadamente, resolve “repreender” a própria claque legando uma lição de vida e de sabedoria política não só a seus apoiadores, mas a todos que estavam ali e talvez, acima de tudo (e de todos), aos que jamais ali pisariam.

Sem citar pelos nomes os vaiados (para não lhes criar um embaraço ainda maior), aliás sem nem sequer fazer menção direta ao episódio, Lula deu um puxão de orelha suave nos seus adoradores, como um pai que sutilmente repreende e ensina ao filho:

“É importante que, quando a gente traz alguém de outro partido para o nosso palanque, vocês não os tratem como adversários. Depois da eleição, nós precisamos governar. O PT só tem 70 deputados no Congresso! Nós precisamos conversar com muita gente, precisamos convencer as pessoas e é assim que a gente governa, é assim que o Casagrande governa, é assim que o prefeito de Serra governa, é assim que o Renan Filho governa”, afirmou, incluindo na lista o ministro dos Transportes e ex-governador de Alagoas, também no palanque. “E é assim que a gente vai governar este país!”

Foi uma sábia lição que tem a ver com tolerância política, com saber conviver com as diferenças e dialogar com quem pensa contrariamente a você. Uma lição mais que bem-vinda, mais que necessária, urgente nestes tempos de tamanha radicalização política. Uma lição que precisa ser ouvida e apreendida por todos os que semeiam o ódio em todos os campos políticos (alguns, inclusive, no de Lula), mas num deles em particular: respeitar o outro, incluindo o adversário, em vez de pregar (literalmente) seu fuzilamento, ‘metralhamento’, banimento ou algo que o valha.

Calejado como só ele é no quadro político nacional, Lula já esteve nos dois lados da corda, já experimentou diversas vezes as duas faces da moeda. Aquela era, para ele, uma plateia extremamente amigável. Mas quantas vezes ele já não foi também tremendamente hostilizado?

Animal político que é, Lula também fez isso, é claro, por pragmatismo político: ele sabe que, efetivamente, precisa no Congresso do apoio e dos votos de políticos de centro-direita como Gilson Daniel e Da Vitória, majoritários na atual composição, para aprovar os projetos prioritários de sua agenda no Parlamento. Por isso, precisa de fato cultivar a melhor relação com eles. Que oportunidade melhor para isso que lhes ser generoso dessa forma, em público?

Foi um momento singelo, e reconheça-se: uma demonstração de grandeza política, de magnanimidade. É como agem verdadeiros homens públicos, com uma compreensão mais precisa do que é, de fato, a atividade política.