Coluna Vitor Vogas
Luiz Cesar Maretto é afastado do DER-ES por decisão da Justiça
A pedido do MPES, Justiça Estadual determinou afastamento cautelar do diretor executivo do órgão. Ele é investigado por possíveis irregularidades em contratos emergenciais
Eram por volta de 16 horas quando Luiz Cesar Maretto (PSB) chegou ao Palácio Anchieta na tarde de ontem, atendendo a uma convocação urgente do governador. Levava a tensão no semblante. Na audiência com Casagrande (PSB), o diretor executivo do Departamento de Edificações e Rodovias do Espírito Santo (DER-ES) recebeu a má notícia: por decisão cautelar da Justiça Estadual, o engenheiro de carreira do órgão e antigo aliado de Casagrande foi afastado da função pública no DER-ES. O afastamento é preventivo e vale por 90 dias.
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Diretor-presidente do DER-ES durante todo o governo passado de Casagrande (2019-2022), Maretto é investigado pelo Ministério Público Estadual (MPES) na esfera cível por possível prática de atos de improbidade administrativa em contratos emergenciais celebrados pelo órgão quando comandado por ele.
Representado na investigação pelo promotor de Justiça Rafael Calhau, o MPES suspeita de “graves irregularidades” em 28 contratos emergenciais (com dispensa de licitação) firmados pelo DER-ES no início de 2020, por ocasião das enchentes que tomaram diversos municípios do sul do Espírito Santo, com destaque para Iconha.
O afastamento de Maretto foi determinado pela 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Municipal, acolhendo pedido formulado pelo MPES. O processo todo tramita em segredo de Justiça. Por meio da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), o Governo do Estado foi notificado ontem da decisão, lavrada na véspera, que devia ser cumprida em prazo de 24 horas, sob pena de multa de R$ 1 mil por dia de não cumprimento.
Nesta sexta-feira (28), Maretto já não deu expediente. Além do afastamento das funções, ele está proibido de ingressar nas sedes da autarquia ou nos locais de execução de obras ou de serviços eventualmente realizados pelo DER-ES, ou deles se aproximar a menos de 200 metros enquanto durar seu afastamento.
À coluna, o diretor executivo do DER-ES declarou por telefone, na tarde desta sexta-feira (28), que só vai se pronunciar sobre o caso depois que tiver protocolado recurso contra a decisão. Segundo uma fonte do governo, é possível que a própria PGE encabece o recurso em nome de Maretto e tome as medidas legais cabíveis a fim de reverter o afastamento – mesmo porque o Estado do Espírito Santo é citado como terceiro interessado nos autos do processo.
Desde a intimação, Maretto tem prazo de cinco dias para contestar o afastamento e indicar as provas que pretende produzir.
Oficialmente, o governo enviou esta nota:
“A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) informa que foi notificada sobre a decisão judicial que pede o afastamento do servidor em questão e o Estado cumprirá a determinação dentro do prazo concedido. Todavia, tendo em vista o segredo de justiça imposto ao processo pelo juízo, a PGE não se pronunciará sobre o assunto.”
Colaboração da Secont
A investigação em face de Maretto contou com a colaboração da Secretaria de Estado de Controle e Transparência (Secont), chefiada desde o início do governo passado (2019) pelo secretário Edmar Camata.
Entre 2021 e 2022, a Secont realizou uma série de auditorias e inspeções nos contratos emergenciais assinados pelo DER-ES nos primeiros meses de 2020, pouco antes da deflagração da pandemia do novo coronavírus, relacionados a obras urgentes de reconstrução da infraestrutura dos municípios atingidos pelo dilúvio de janeiro daquele ano.
Esse trabalho da Secont apontou preliminarmente alguns problemas em 28 desses contratos sem licitação, como ausência ou deficiência de pesquisa de preços de mercado ou a extrapolação do tempo limite para que uma obra fosse executada.
No governo, porém, as constatações são tratadas com cautela. Não há juízo prévio de que correspondam necessariamente a “irregularidades”. No lugar dessa palavra, prefere-se falar em “falhas formais” ou “não cumprimento de formalidades necessárias”, as quais, na sequência das apurações, podem não se confirmar como algo irregular ou como ato de improbidade.
Fontes do governo também enfatizam que, a princípio, não há quantificação de possível dano causado aos cofres públicos estaduais nessas contratações. Ao aprofundar as investigações, o MPES pode confirmar ou não prejuízo ao erário.
Em paralelo às inspeções internas da Secont, o MPES já havia aberto a própria investigação sobre tais contratos. Em dado momento, o promotor Rafael Calhau, à frente do inquérito civil, questionou o governo formalmente acerca das contratações sob suspeita. A Secont, então, compartilhou com o MPES seu relatório.
Essa informação é muito importante porque revela, de maneira incontestável, que o governo Casagrande já sabia há algum tempo que Maretto e os contratos firmados por ele em 2020 estavam na mira do MPES.
O próprio MPES tem uma leitura diferente daquela mantida pelo governo. Na decisão de afastar Maretto, à qual tivemos acesso, registra-se que o MPES alega que “o Relatório de Auditoria n.º 13/2022, elaborado pela Secont, por amostragem, encontrou graves irregularidades em 28 procedimentos de contratação emergencial realizados pelo DER-ES”.
Leitura política
Agentes da alta cúpula do governo acordaram nesta sexta-feira (28) com a informação sobre o afastamento cautelar de Maretto. Porém, como observado acima, já era de longo conhecimento no Palácio Anchieta que o correligionário de Casagrande era alvo de investigação do MPES – até porque o governo já havia sido formalmente questionado sobre os referidos contratos e a Secont já havia compartilhado informações com o órgão ministerial, além de a própria pasta já ter identificado algumas falhas ao passar o pente fino nos mesmos contratos.
Reforço este ponto para destacar o timing em que Maretto foi retirado do comando do DER-ES. Em março, após aprovação na Assembleia Legislativa de projeto de Casagrande que mudou a estrutura do órgão, Maretto foi substituído no cargo de diretor-presidente pelo ex-deputado estadual Eustáquio de Freitas (PSB) e passou a exercer outro cargo, o de diretor executivo geral, criado sob medida para ele. Tornou-se, assim, o número 2 na hierarquia interna do DER-ES.
No governo ninguém confirma isso, nem reservadamente, mas chama a atenção o timing da mudança, cerca de um mês antes da determinação do afastamento, em um inquérito civil que o governo já sabia tramitar há algum tempo. Por estratégia política, pode ter sido uma maneira de blindar o DER-ES, reduzir os danos para Maretto e, sobretudo, atenuar o desgaste político para o próprio governo.
Afinal, é ruim ter um diretor executivo afastado por determinação judicial. Mas pior ainda teria sido ter o presidente do DER-ES impedido de ir bater ponto, forçando uma substituição à qual o governo pode ter se antecipado. Ao tirar Maretto do andar mais alto do DER-ES, o governo pode também tê-lo tirado da linha de fogo.
De todo modo, no Palácio Anchieta, o sentimento é que o pedido do MPES e a decisão judicial foram desproporcionais. Até o momento, Maretto segue prestigiado por Casagrande, e a disposição do governo é a de defendê-lo e ajudá-lo a provar sua inocência.
Os termos da decisão
A coluna teve acesso à decisão desfavorável a Maretto no processo que corre em segredo de Justiça.
Lendo o despacho, ficamos sabendo que o MPES instaurou inquérito civil “em razão da obtenção de informações sigilosas acerca de suposto esquema de burla à realização de procedimentos licitatórios no âmbito do Departamento de Edificações e de Rodovias do Estado do Espírito Santo (DER-ES), tendo em vista a contratação emergencial direcionada de diversas empresas empreiteiras, por dispensa de licitação, com posterior pagamento por indenização”. Com apoio no material da Secont, o MPES identificou “graves irregularidades”.
O autor da decisão defende o afastamento de Maretto como “medida necessária à instrução processual ou para evitar a iminente prática de novos ilícitos”.
O juiz de Direito também destaca a relutância de Maretto em fornecer os documentos pedidos pelo MPES e o descumprimento dos prazos em processos administrativos internos, além do risco de a permanência do diretor executivo no cargo “prejudicar a apuração dos graves fatos” narrados pelo MPES.
“Em relação à instrução processual, imperiosa a medida diante da aventada recalcitrância do requerido em fornecer documentos solicitados pelo Ministério Público e o reiterado descumprimento do prazo para dar andamento aos processos administrativos que visam apurar eventuais danos ao erário com as contratações emergenciais. Além disso, o cargo ocupado pelo réu obviamente lhe confere acesso a documentos e a testemunhas, o que pode prejudicar a apuração dos graves fatos narrados na exordial”.
Evocando o princípio “na dúvida, a favor da sociedade” (in dubio pro societate), o autor da decisão ainda ressalta que a demora nesse caso poderia resultar em “vultoso prejuízo ao erário”.
“Além da probabilidade do direito reclamado, manifesto também o perigo da demora dada a gravidade dos fatos que ensejariam vultuoso prejuízo ao erário, o que igualmente recomenda o deferimento da tutela de urgência pugnada.”
A decisão mantém o processo em segredo de Justiça.