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Coluna Vitor Vogas

Análise: por que a Câmara da Serra desistiu de ter mais vereadores?

Mudança da Mesa Diretora, o aumento salarial recém-aprovado, os gastos resultante da criação de duas cadeiras, a vigilância cerrada do MPES, um erro grosseiro nos cálculos da Câmara e uma estratégia de “compensação”. Coluna explica todos os fatores

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Mesa Diretora da Câmara da Serra. Ao centro, o presidente Saulinho da Academia. Crédito: Câmara da Serra

Em 5 de dezembro de 2022, a Câmara da Serra aprovou uma polêmica emenda à Lei Orgânica Municipal que criou mais duas vagas no plenário a partir de 2025, passando o número de vereadores da cidade de 23 para 25. Devido ao aumento de despesas gerado pela medida e ao seu mérito muito questionável (para que mais vereadores?), a emenda deu muito o que falar.

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A esta altura, porém, já parecia um assunto superado. Até pelo placar folgado das duas votações da proposta (16 a 3 no primeiro turno; 17 a 5 no segundo), esse parecia inequivocamente o desejo predominante dos atuais vereadores.

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Parecia.

Numa espécie de “efeito sanfona”, os atuais vereadores decidiram voltar atrás. Na última segunda-feira (15), de maneira surpreendente e seguindo o “padrão Câmara da Serra” – sem transparência, sem discussão e sem a participação da sociedade –, aprovaram, em 1º turno, uma nova Proposta de Emenda à Lei Orgânica Municipal que, basicamente, cancela a anterior, voltando a fixar em 23 o número de vereadores da Casa a partir de 2025.

Assinada por dez vereadores – incluindo o atual presidente, Saulo da Academia (Patriota), a “emenda da emenda” foi aprovada com o apoio dos 21 vereadores que participaram da votação. Ou seja, a inclinação do plenário sobre o tema virou completamente, num intervalo curtíssimo. Se a proposta for aprovada em 2º turno – como tudo indica que será –, tudo continuará como já estava, após toda a confusão gerada no fim do ano passado. Diante de tamanha reviravolta, a pergunta que se impõe é:

O que explica mudança tão radical?

Como é que um plenário que há cerca de cinco meses apoiou maciçamente a ampliação do número de vereadores volta atrás dessa maneira e agora aprova à unanimidade uma proposta que simplesmente anula a anterior?

Foi o que procuramos responder, conversando com alguns vereadores que preferiram se manter no anonimato. As respostas passam pela mudança da Mesa Diretora, uma íntima relação com o aumento salarial aprovado na última quarta-feira (10), o aumento de gastos resultante da criação de duas cadeiras, a vigilância cerrada do MPES, um erro grosseiro nos cálculos da Câmara e uma estratégia de “compensação” política e financeira por parte da atual gestão.

Segue o fio:

A mudança da Mesa

O primeiro ponto a se levar em conta é: sim, o plenário pode até ser praticamente o mesmo; a Mesa Diretora, não. Com a virada do ano, mudou também a sua composição. Até então presidida pelo vereador Rodrigo Caldeira (PSDB), a Mesa, desde janeiro, é presidida por Saulo da Academia.

Aquele projeto que criou duas cadeiras a partir de 2025, aprovado em 5 de dezembro, foi apresentado por dez vereadores, mas patrocinado pela Mesa anterior, liderada por Caldeira.

O segundo ponto que não se pode ignorar é que a ampliação do número de vereadores, obviamente, implicaria um sensível aumento de gastos para a Câmara, inclusive em termos de readequação da estrutura física da sede do Legislativo, devido à necessidade, no curto prazo, de construção de mais dois gabinetes para acomodar os dois vereadores a mais que chegariam em janeiro de 2025.

A execução das obras e os gastos decorrentes dessas intervenções não ficaram a cargo da gestão passada (de Caldeira), nem correriam por conta da próxima gestão, a partir de 2025. Teriam de ser assumidos agora, pela atual Mesa Diretora.

Só que o prédio da Câmara já não tem muito para onde crescer. A Casa, inclusive, acaba de inaugurar uma agência do Procon Legislativo, nos moldes daquela da Assembleia Legislativa.

Então, em primeiro lugar, teria pesado na avaliação de Saulo e seus companheiros de Mesa essa questão estrutural e financeira.

Reavaliando a questão, o atual presidente preferiu desarmar a bomba herdada da gestão anterior. Antes da sessão ordinária da última segunda, iniciada às 16h, ele apresentou a outros vereadores o novo projeto, a intenção de pautá-lo no mesmo dia e suas razões. Segundo participantes da reunião, o presidente enfatizou esse argumento de ordem financeira e estrutural.

“Tem algumas questões que precisavam ser resolvidas, mas não dava mais tempo, e a atual Mesa Diretora não quis entrar nelas. A primeira delas: adequação física. A atual sede é um prédio novo, mas pequeno. Teriam que ser abertos mais dois gabinetes. O que tem hoje é para atender o que tem hoje”, afirma uma fonte parlamentar.

O orçamento da Câmara da Serra para 2023 é de R$ 42,4 milhões.

Gastos com pessoal

A segunda “economia” buscada pela atual Mesa se materializa no médio prazo: desistir de criar mais duas vagas em plenário significa não só não precisar pagar os salários desses dois vereadores a mais a partir de 2025, mas também não precisar pagar o batalhão de até 30 assessores a mais que viriam na esteira deles. Hoje, na Câmara da Serra, cada vereador pode manter até 15 assessores de gabinete.

O arquivo não foi anexado ao projeto, mas, segundo uma fonte da Câmara, a Mesa Diretora chegou a realizar um estudo segundo o qual, desistindo da ampliação de vagas, a Casa “economizará” cerca de R$ 2 milhões com pessoal para manter o funcionamento de dois novos gabinetes (isso sem levar em conta aquele gasto mais urgente, com a abertura desses dois novos gabinetes).

Nesse caso, o mais correto não é dizer que a Câmara vai economizar esse montante, mas que vai descontá-lo do impacto financeiro total. Com a quase duplicação dos salários aprovada na última quarta-feira (10), a Câmara de qualquer forma terá um substancial aumento de gastos, mas, deixando de criar e prover mais dois gabinetes inteiros, consegue tornar esse aumento um pouco menor.

Essa é outra peça-chave que nos ajuda a montar o quebra-cabeça.

O aumento salarial para eles mesmos

Na última quarta-feira (10), seguindo o mesmo modelo “nota zero em transparência”, os vereadores aprovaram projeto de lei, agora sob análise do prefeito Sérgio Vidigal (PDT), aumentando de R$ 9.208,33 para R$ 17.681,99 os próprios salários a partir de 2025.

A aprovação do projeto despertou a atenção do Ministério Público Estadual (MPES). Por isso, na avaliação de alguns vereadores, até pelo momento muito sugestivo em que a Câmara recua em relação à ampliação de vagas – cinco dias após a aprovação do aumento salarial e logo na sessão seguinte –, é impossível não visualizar conexão entre os dois fatos sequenciais.

Neste caso, a surpreendente proposta de emenda apresentada na última segunda também seria uma “resposta ao MPES e à sociedade”, uma “medida compensatória”, uma tentativa de produzir um “atenuante”. “Fizeram isso para a gente não ter problemas com o MPES e para tirar a atenção do MPES de cima da Câmara. É uma forma de a gente reduzir a polêmica toda gerada pelo aumento do salário”, afirma um vereador.

Se os gastos da Câmara vão aumentar bastante com o aumento da remuneração dos vereadores por um lado, por outro a atual administração se mostra disposta a “revogar” as outras despesas extras, também nem um pouco desprezíveis, que viriam com os dois novos vereadores e respectivos gabinetes e assessores.

Erros grosseiros nas contas

O projeto do reajuste salarial veio acompanhado de um estudo de impacto financeiro, datado de 10 de maio (mesmo dia da aprovação) e assinado pelo coordenador de Finanças da Casa.

Mas, se a nota da Câmara em transparência está baixa, também não está boa em matemática. Dois erros grosseiros nas contas da própria direção da Casa podem ter “maquiado” o real impacto gerado pelo combo “aumento salarial + aumento do número de vereadores”. Após ter comido mosca, é possível que a Mesa tenha atentado para o real tamanho do problema se mantido o combo completo. Como os vereadores jamais desistiriam do aumento salarial, resolveram voltar atrás nas duas vagas extras.

Eis os números:

O projeto de reajuste eleva o salário dos vereadores, a partir de 2025, dos atuais R$ 9.208,33 para R$ 17.681,99 – uma diferença de R$ 8.473,66.

Hoje, considerando 23 vereadores e o salário de R$ 9,2 mil, o gasto mensal com o pagamento dos salários dos parlamentares é de R$ 211,7 mil. O anual é de R$ 2,5 milhões.

Considerando 25 vereadores e o salário de R$ 17,6 mil a ser pago a partir de 2025, o gasto mensal com o pagamento dos salários dos parlamentares passará de R$ 211,7 mil para R$ 442 mil. A despesa anual passará de R$ 2,5 milhões para R$ 5,3 milhões. O gasto vai mais que dobrar.

O aumento de gasto por mês será de R$ 230,2 mil. Por ano, chegará a R$ 2,7 milhões.

Entretanto, no estudo de impacto financeiro anexado ao projeto, a Câmara errou o cálculo da despesa anual, que ficou subestimada. De acordo com o estudo, o gasto anual com salários de vereadores subirá para R$ 4,4 milhões, representando um crescimento de R$ 2,5 milhões.

Na verdade, como demonstramos acima, o gasto anual subirá para R$ 5,3 milhões, o que representa um acréscimo de despesa de R$ 2,7 milhões.

E há outra aparente inconsistência grave no estudo.

A Câmara fez uma projeção dos gastos totais com pessoal em 2025. Segundo o relatório, em 2025, a despesa total da Casa com folha de pagamento passará de R$ 24,2 milhões (considerando 23 vereadores e o salário atual deles) para R$ 26,7 milhões (considerando 25 vereadores e o futuro salário deles).

Prevendo um orçamento de R$ 47 milhões para a Câmara em 2025, o estudo conclui que o gasto com pessoal representará 58,51% da receita da Câmara – mantendo-se, portanto, dentro do limite legal de 70%.

Há um grande problema, porém.

Essa conta só considera o aumento de despesa com pessoal gerado pela incorporação de mais dois vereadores e pelo aumento salarial dos edis. Ignora, contudo, a massa de até 30 novos assessores que podem ser nomeados na Câmara a partir de 2025, a reboque dos dois novos parlamentares.

Com isso, o gasto total da Casa com pessoal em 2025 com certeza será, na verdade, superior a R$ 26,7 milhões. Consequentemente, ficará mais perto do limite de 70%.

O estudo afirma que foram considerados “o aumento de dois vereadores e seus respectivos reflexos”. E conclui: “Portanto concluímos que não foi detectado, pelos cálculos apresentados, qualquer desvio dos limites orçamentários financeiros estabelecidos pela Constituição Federal, assim como pela Lei nº 101 (Lei de Responsabilidade Fiscal)”.

Pelos cálculos apresentados.

A questão, como apontamos, é que em verdade não foram considerados todos os reflexos do aumento de vereadores.

Mesmo que tardiamente, a atual Mesa Diretora pode ter atentado para esse lapso e esse risco. Assim, voltar atrás em criar mais duas vagas de vereadores, além de minimizar problemas com o MPES, pode também ser uma maneira de evitar complicações fiscais e até problemas junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCES).

Justificativa oficial

Eis a justificativa oficial anexada à Proposta de Emenda à Lei Orgânica 1/2023:

“Apesar do quantitativo de habitantes e da capacidade financeira desta Casa, a Gestão Atual identificou a necessidade de maior tempo hábil para a adequação organizacional e reestruturação física para atender a este aumento [do número de vereadores]. 

Hoje, a Câmara Municipal da Serra, tem limitações quanto ao espaço físico para atender a proposta. Vale ressaltar [o] que acarretará o aumento no quantitativo de gabinetes, será necessária reestruturação do plenário e reorganização interna para atender este aumento.

Desta forma, apresentamos esta proposta de Emenda à LOM para que as adequações internas e reestruturações necessárias sejam feitas, para que assim em um futuro próximo esta Casa possa retornar à discussão do tema.”

Menos vereadores?!?

Sob anonimato, um vereador assegura que alguns edis chegaram a recolher assinaturas para apresentação de uma Proposta de Emenda à Lei Orgânica que representaria um cavalo de pau ainda maior, visando rebaixar o quantitativo de vereadores de 23 para 19 no próximo mandato. Mas só teriam conseguido seis assinaturas. Para poder ser protocolada, uma Proposta de Emenda à Lei Orgânica requer a assinatura de um terço do plenário (no caso, oito dos 23 vereadores).