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‘Adoção não é caridade’: a história sob o olhar de uma filha do coração

A data 25 de maio é celebrada como Dia Nacional da Adoção; conheça a história de Lisandra Barbiero.

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Lisandra Barbieiro. Foto: arquivo pessoal/divulgação

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Um menino nasceu, o mundo tornou a começar. É com essa frase, retirada do livro Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, que Lisandra Barbieiro ilustra o que dezenas de meninos e meninos sentem ao esperar por uma família.

São 104 crianças e adolescentes no Espírito Santo vivendo essa expectativa, de acordo com o Tribunal de Justiça do estado. Lisandra é servidora pública federal e jornalista, ela conhece o sentimento. Foi adotada aos sete meses de idade.

Mas, a questão vai muito além do que se comprometer com um filho. Lisandra protesta e enfatiza: a adoção não é um ato de caridade.

“Ainda hoje a adoção é vista como um gesto de caridade, como um gesto de piedade. O que é um erro, porque a adoção não tem nada a ver com bondade ou maldade. Quem decide pela adoção faz isso como um gesto genuíno de amor, porque é querer se tornar pai ou mãe de uma criança, é querer dar uma família”.

Foi com esse ato de amor que Lisandra foi criada. Ela cresceu na cidade de Castelo, sudoeste do Espírito Santo. Nunca tinha pensando na possibilidade de ter sido adotada, quando, um dia, se perguntou por que tinha a cor diferente que a de seus pais.

“Eu sou parda. Eu fui adotada por uma família de classe média branca e eu perguntei para ela mãe: por que eu sou assim? Então eu peguei meu braço, coloquei ao lado dela e falei de novo: por que eu sou assim? Minha mãe começou a chorar. Ela não estava preparada para aquele momento.Mostrei os outros retratos dela grávida e disse: onde que eu estou? Na sua barriga? E ela falou assim: minha filha, você não está na barriga, você nunca esteve na barriga da mamãe, porque o tempo todo você foi gerada no meu coração”.

No entanto, a inocência e o amor que a consumiu naquela época, não a prepararam para a crueldade que o mundo pode trazer. Lisandra chegou na escola, no dia seguinte, e vivenciou o que ela não deseja para mais ninguém: o bullying adotivo.

“Eu queria saber de meus amiguinhos da escola, se eles também tinham sido gerados no coração ou na barriga e, pra minha surpresa, ninguém tinha sido gerado no coração. E aí no outro dia, pra minha frustração, eu entro na sala de aula e estava escrito em letras garrafais: você é adotada. Alguns começaram falar que eu era feia, que eu era pobre, que eu era filha de marginais, que meus pais me acharam no lixo. Ali eu entendi o que era ser filha do coração.”

A marca do preconceito e as dúvidas resultaram em culpa para a Lisandra, que está grávida de seu segundo filho. Culpa por ter escolhido gerar. Culpa por pensar que precisa prestar contas à sociedade e entrar em uma fila de espera para a adoção.

“Senti um sentimento de culpa muito grande, de pesar mesmo, porque eu comecei a lembrar as minhas conversas de adolescência com a minhas amigas, quando a gente partilhava e o desejo de se casar, de construir uma família de vida profissional. Na minha vez de falar, eu dizia que também queria ter filhos. Eu era quase que interpelada. Perguntavam se eu não iria adotar também, como se eu tivesse uma dívida eterna com a sociedade, como se tivesse que ser obrigada a replicar a minha própria história”.

Esse sentimento foi transformado em vocação. Ela decidiu escrever o livro “Não nascemos filhos, nos tornamos”. O bullying adotivo que sofreu quando criança, agora virou objeto de alerta para os pais sob a ótica de quem esteve do outro lado da fila.

“Eu não quero que outras crianças passem o que eu passei. Eu não quero que outros pais não saibam que muitas crianças que foram adotadas sofrem. Porque essa questão do preconceito, do bullying que eu sofri, da criminalização da genética, não é algo só meu. Eu tenho conversado com várias pessoas que foram adotadas, pessoas hoje com 30, 40 anos de idade e elas relatam e choram comigo. Situações que sofreram caladas”.

Lançado neste mês, 50% dos lucros da venda do livro serão destinados para contribuir com a Casa Lar de Vila Velha, instituição de acolhimento de crianças.

“Tem um poema escrito o nosso grande poeta Guimarães Rosa, que eu adoro e eu acho que ele se adequa muito quando eu falo da adoção: nasceu um menino, o mundo tornou a começar. Nós temos milhares de meninos e meninas, nascidos e nascidas por esse Brasil afora, que esperam ansiosamente a chance de um novo começo em suas vidas.”

E, assim, Lisandra busca levar a sua história para as mais diversas famílias, lutando contra os preconceitos e as violências para que nenhum outro filho adotivo seja alvo de sentimento que não o do amor.