País
Democracia está em ‘alarme’ com candidatos que não querem respeitar urnas, diz Fachin
Há duas semanas, ao falar com apoiadores em Santa Catarina, Bolsonaro afirmou que “se a gente não tiver voto impresso em 2022, pode esquecer a eleição”
A democracia se encontra em “estado de alarme”, com o surgimento de candidatos que não têm se comprometido em respeitar o resultado das urnas. Também há “flagrantes sintomas” de exclusão social, racismo, milícias armadas, “privatização indevida” de setores públicos, violação a direitos humanos, práticas homofóbicas e ausência de políticas públicas sobre educação e saúde sexual reprodutiva. A avaliação foi feita pelo relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, que assina a apresentação do livro “Crise democrática e Justiça Eleitoral – Desafios, encargos institucionais e caminhos de ação”, de autoria do assessor Frederico Franco Alvim. Alvim atua no gabinete de Fachin no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“Da desigualdade extrema à corrupção generalizada, como escreve o professor Sidarta Ribeiro, biólogo e neurocientista brasileiro, é necessária a imaginação ativa, o sonho lúcido, a fim de que sejamos um futuro habitável, eis que o presente já está praticamente colapsado por intoxicações e conflagrações”, escreveu Fachin, atual vice-presidente do TSE.
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Para o ministro, há “déspotas populistas aspirantes a autocratas imperiais” que estão planejando a travessia do Rubicão – em referência ao ato do general Júlio César, que desafiou o Senado romano e atravessou o Rio Rubicão com sua legião, o que era estritamente proibido pela legislação da época.
“Mais frequentemente do que imaginável, candidatos, aqui e além, não têm se comprometido em respeitar o resultado da eleição. A recusa é bem explicitada pelos professores norte-americanos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt: simplesmente não aceitam resultados eleitorais dignos de crédito. O que se faz é blasonar (alardear), por antecipação, a conclusão do processo eleitoral, e mesmo assim lançar, desde a campanha, ou mesmo antes, suspeitas ao resultado do exercício do sufrágio universal pelo voto direto e secreto”, afirmou o ministro.
Fachin vai assumir o comando do TSE em fevereiro do ano que vem, após a saída de Luís Roberto Barroso do tribunal. Em um texto duro, de quatro páginas, Fachin não faz menções explícitas ao presidente Jair Bolsonaro, mas o recado do ministro foi interpretado na Corte Eleitoral como uma resposta às recentes declarações do chefe do Executivo, árduo crítico do sistema eletrônico de votação no país.
Há duas semanas, ao falar com apoiadores em Santa Catarina, Bolsonaro afirmou que “se a gente não tiver voto impresso em 2022, pode esquecer a eleição”. A medida já foi considerada inconstitucional pelo Supremo, que concluiu que a medida viola o sigilo e a liberdade do voto.
Em mais uma tentativa de colocar em xeque a credibilidade da Justiça Eleitoral, Bolsonaro afirmou, em março do ano passado, que houve “fraude” nas eleições presidenciais de 2018 e disse ter provas de que venceu o pleito no primeiro turno. O presidente, no entanto, até hoje não as apresentou.
Já nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump – aliado de Bolsonaro – pressionou o secretário de Estado da Geórgia, o republicano Brad Raffensperger, a “encontrar” votos suficientes para reverter a derrota para o democrata Joe Biden no reduto historicamente conservador, segundo revelou o jornal “Washington Post” no último domingo.
“É grave afrontar eleições caracterizadas pela normalidade e legitimidade. A democracia não pode ser mera encenação. Impende precatar-se antes cedo que tarde demais. Esse é o momento: o voto tem poder”, afirmou Fachin. “Da Itália de 1922 há lições para o tempo no mundo dos dias de hoje. Como se depreende do que escreveu A. Scurati, no livro O Filho do Século, cem anos depois (um século a completar-se em 2022) um tanto daquilo ressoa aqui e alhures.”
Vírus. Na avaliação de Fachin, “revoadas de aves” que se alimentam de animais mortos estão à espreita da democracia e projetam uma “sombra de ocaso” sobre as instituições democráticas.
“Alimentam-se de compromisso débil com as regras do jogo democrático; delas, o cardápio dos comportamentos arrogantes sabe ao prato deletério de açular golpes, de minar a legitimidade das eleições, de entrelaçar-se com milícias, de endossar a violência, e de elogiar atos de tortura e extermínio político”, pontuou.
“Esse vírus já tem remédio, especialmente se administrado no tempo certo das urnas. É ele que pode arrancar as raízes do mal do autoritarismo. É o voto consciente, atento e conhecedor do poder transformador que consigo mesmo carrega. A democracia se encontra em estado de alarme. Melhor amanhecer a caminho do que entardecer indolente. Nunca é cedo demais para preocupar-se com o porvir”, concluiu o ministro.
Estadão Conteúdo
