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Esquema desvia dinheiro de royalties de petróleo do ES

Lobista e advogados usam até a Bíblia para obter repasses na Justiça; cidade governada pelo pai do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), recebe R$ 14,5 milhões

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Barra de São Miguel, em Alagoas; cidade passou a receber milhões em royalties de petróleo. Foto: Prefeitura de Barra de São Miguel

Barra de São Miguel, em Alagoas; cidade passou a receber milhões em royalties de petróleo. Foto: Prefeitura de Barra de São Miguel

Dinheiro referente aos royalties de petróleo inicialmente destinado a estados produtores, como o Espírito Santo, está sendo desviado a municípios sem nenhuma ligação com a extração e produção petrolífera. Isso acontece por conta de uma série de decisões tomadas por desembargadores do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. O TRF-1 atua nas ações referentes aos estados de Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do Maranhão. Os desembargadores têm atendido ações movidas pelo lobista Rubens de Oliveira, condenado por estelionato e investigado pela Polícia Federal por lavagem de dinheiro. Os municípios representados por Oliveira têm conseguido somas vultosas. O grupo do lobista já lucrou pelo menos R$ 25,7 milhões em honorários. As informações são do site Estadão.

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Os advogados empregam uma série de alegações para convencer os desembargadores. Até a Bíblia chega a ser usada como referência nos processos. “A Bíblia é uma só, mas quantas interpretações diferentes temos para ela no mundo inteiro? São diversas”, diz o texto de uma ação. Um desembargador atendeu os argumentos e liberou R$ 15,2 milhões para a cidade de Nhamundá, no Amazonas. A cidade não tem nenhuma relação direta com a produção de petróleo. A decisão rendeu ao lobista R$ 3 milhões em honorários.

Em nota, a Advocacia-Geral da União deixou claro o prejuízo causado aos municípios de estados produtores:  “Quando um município que legalmente não tem direito a royalties passa a recebê-los, isso gera um efeito cascata bastante deletério, pois reduz o montante a ser repassado àqueles que legalmente têm direito a receber”.

Como são os processos

O lobista Rubens de Oliveira convence prefeitos de cidades que não produzem petróleo a contratar advogados controlados por ele para ingressar com ações que reivindicam parcelas maiores de royalties. Eles alegam que, por serem vizinhas de cidades produtoras, precisam receber como elas. Contudo, a legislação já prevê repasses para municípios em zonas de produção. As ações citam que as cidades sofrem impactos da exploração de determinados poços de petróleo, mas omitem o fato de os poços não terem qualquer produção ativa.

Em geral, eles perdem na 1ª instância da Justiça Federal de Brasília e recorrem ao TRF-1, onde obtêm decisões favoráveis.

As decisões já resultaram em um total de R$ 125 milhões repassados a prefeituras dos estados do Amazonas, Pará e Alagoas. Entre os municípios beneficiados, está Barra de São Miguel (AL), governada pelo prefeito Benedito de Lira (PP-AL), pai do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Documentos oficiais revelam que Rubens de Oliveira visitou o gabinete de Lira em Brasília dois meses antes da liberação dos recursos bloqueados.

O dinheiro repassado às pequenas cidades provém de cotas que anteriormente eram destinadas a locais efetivamente impactados pela exploração de petróleo, como cidades do Espírito Santo e Rio de Janeiro. Os royalties são pagos pelas empresas de exploração de petróleo como forma de compensação pela exploração dos recursos naturais, e devem ser destinados pelos governos para investimentos em saúde, educação e outras áreas.

O acordo com os desembargadores

Segundo a reportagem do Estadão, o grupo do lobista conseguiu acordos com três desembargadores do TRF-1 que possibilitaram a 21 prefeituras de Amazonas, Alagoas e Pará o direito de receber royalties mesmo sem produzir petróleo. Para isso, foram utilizados documentos e dados falsos em pedidos genéricos apresentados ao tribunal. Apesar disso, os três desembargadores continuam autorizando os repasses.

O lobista atua convencendo prefeitos a contratarem escritórios individuais de advocacia controlados por ele para requerer, na Justiça Federal de Brasília, as compensações financeiras em royalties. Em troca, o grupo recebe 20% do valor que as cidades arrecadam a partir das decisões judiciais, mesmo que posteriormente as sentenças sejam revogadas. Os honorários são divididos entre o lobista, sua esposa – proprietária de uma loja de cestas de café da manhã – e seu primo, além dos advogados envolvidos. Oliveira opera o esquema usando uma empresa fictícia de consultoria denominada RP Consultoria e Assessoria, que não possui registro na Receita Federal. Essa empresa representa os segmentos de royalties e petróleo, sendo que a logomarca ilustra o óleo escorrendo de um cano.

O grupo do lobista fechou contratos com um total de 56 prefeituras em oito estados, conseguindo decisões favoráveis que determinaram o pagamento imediato de royalties, mesmo antes do julgamento do mérito. A maior parte dessas decisões partiu de três desembargadores, Carlos Augusto Pires Brandão, Daniele Maranhão e Antônio Souza Prudente, dentre os 38 desembargadores que compõem o TRF-1. Essas informações foram obtidas nos processos públicos que tramitam no Tribunal.

As ações movidas pelo grupo do lobista em nome de outras 35 cidades tiveram seus pedidos de liminares negados na primeira ou segunda instância. Em alguns casos, as decisões favoráveis concedidas pela desembargadora Daniele Maranhão foram revogadas por um juiz convocado para atuar em seu gabinete. O TRF-1, a ANP e os desembargadores citados não quiseram se manifestar oficialmente sobre o assunto.

Lobista visitou a presidência da Câmara

Rubens de Oliveira tem circulado pelos três poderes em Brasília, incluindo reuniões com o presidente da Câmara, Arthur Lira, durante o período em que Barra de São Miguel buscava royalties milionários. Suas visitas ao Palácio do Planalto foram registradas em pelo menos cinco ocasiões entre 2021 e 2022.

Em novembro de 2021, Oliveira esteve na Câmara dos Deputados para um encontro com Arthur Lira, quando o município de Barra de São Miguel aguardava os pagamentos referentes à decisão favorável do TRF-1. A ANP alegava que a decisão era inviável de ser cumprida, pois o critério utilizado pelo desembargador Pires Brandão não estava previsto em lei.

Posteriormente, o magistrado determinou que a cidade deveria receber os valores como se tivesse uma “instalação de embarque e desembarque” de petróleo, mesmo sem possuir tal estrutura. Antes da decisão, a cidade recebia no máximo R$ 237 mil por ano. Após o veredicto, a receita dos royalties aumentou para R$ 14,5 milhões.

Oliveira nega trabalhar no mercado de royalties e petróleo, embora tenha divulgado nas redes sociais que atua nessa área por meio da RP Consultoria e Assessoria. Advogados e evidências mostram sua atuação como lobista no setor petrolífero.

Em 2018, ele foi alvo de uma operação da Polícia Federal relacionada a roubo de precatórios com falsificação de documentos e, em junho de 2022, foi condenado por estelionato. Atualmente, recorre da condenação no TRF-4, e ainda enfrenta um inquérito por lavagem de dinheiro. Após um período de prisão preventiva, Oliveira passou a formatar negócios com prefeituras.

A equipe do lobista

A advogada Marli de Oliveira, recentemente formada e inscrita na OAB do Rio Grande do Sul em 2021, obteve dos desembargadores do TRF-1 a concessão de royalties para quatro cidades sem produção de petróleo, resultando em receitas de R$ 3,6 milhões para esses municípios.

Em fevereiro de 2022, o desembargador Antonio Souza Prudente autorizou o aumento dos royalties para o município de Faro (PA) com base na existência de instalações de embarque e desembarque de gás natural em um município vizinho, que fica a 370 quilômetros de distância, no Amazonas.

A advogada argumentou que a cidade precisava dos royalties, especialmente devido à pandemia da Covid-19 e por conta das consequências de uma enchente histórica no Estado.

Além de Marli, o grupo do lobista é composto por pelo menos outros quatro advogados: Gustavo Freitas Macedo, que defendia Rubens de Oliveira no processo de estelionato; Fátima Madruga Farias, do Rio Grande do Sul; Brenno Cazemiro, do Amazonas; e Debora Previati, do Paraná.

Cazemiro admitiu que as bases técnicas das ações são ditadas pelo lobista, pois seu escritório tem amplo conhecimento no setor de petróleo e serve como embasamento para a produção das peças jurídicas.

Em uma ação conjunta representando o município de Urucurituba (AM), Cazemiro e Debora foram condenados por litigância de má-fé. O juiz Marcelo Gentil Monteiro, da 1ª Vara do DF, afirmou que a dupla violou a boa-fé processual e demonstrou clara intenção de burlar regras processuais.

Após tentativas de contato, o escritório de Debora não atendeu às chamadas.

Aves, mamíferos e rica biodiversidade compõem a fauna e flora

As ações judiciais que resultaram em transferências milionárias de royalties de petróleo para cidades não produtoras, bem como os honorários pagos em montantes vultosos pelas prefeituras, estão embasadas em documentos falsos, dados incorretos e pedidos genéricos. Além disso, os processos movidos contra a ANP apresentam erros de grafia e trechos idênticos.

Em uma dessas ações, Gustavo Freitas Macedo argumentou que a exploração de petróleo poderia prejudicar “aves, mamíferos e a rica diversidade de flora e fauna”. Em outra ocasião, ele recorreu à filosofia e à religião para justificar que cada magistrado pode ter interpretações diferentes sobre o mesmo tema.

“Platão chamou os poetas de hermenes, ou seja, de intérpretes dos deuses, onde se busca traduzir para uma linguagem acessível, aquilo que não é compreensível, mas transmite e esclarece o conteúdo da mensagem dos deuses aos mortais”, escreveu. “A Bíblia é uma só, mas quantas interpretações diferentes temos para ela no mundo inteiro? São diversas”, acrescentou.

A AGU, que representa a ANP na Justiça, se manifestou sobre as informações levantadas, afirmando que se tratam de “decisões proferidas sem rigor técnico” e que estabelecem “critérios criados judicialmente”.

Em relação aos questionamentos feitos pela reportagem, os advogados Gustavo Macedo, Maria de Fátima Farias e Marli de Oliveira não responderam aos pedidos de posicionamento.

Quem tem direito a receber royalties

Em resumo, os royalties de petróleo são destinados aos municípios que possuem produção de petróleo ou gás em seus territórios. Quando a produção ocorre no mar, os municípios “confrontantes”, localizados em uma área imaginária definida pelo IBGE, também são beneficiados. Além disso, as cidades que têm desembarque de petróleo proveniente do mar também têm direito a receber royalties. Já os municípios não produtores, mas localizados em “zonas de produção”, têm direito a parcelas residuais.

*As informações são do site Estadão