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Coluna João Gualberto

Luiz Guilherme Santos Neves

Luiz Guilherme Santos Neves uniu com maestria história e ficção, revelando as raízes culturais e os episódios violentos que moldaram o imaginário social capixaba

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Luiz Guilherme Santos Neves. Foto: Samuel Vieira

Luiz Guilherme Santos Neves. Foto: Samuel Vieira

O romancista e historiador capixaba Luiz Guilherme Santos Neves, recentemente falecido, nos deixou uma obra muito importante, tanto do ponto de vista ficcional quanto do histórico. Mais que isso, legou-nos sua enorme sensibilidade para unir dois elementos fundamentais: história e ficção, ajudando aos que se interessam pelas nossas raízes, pelas origens de nossos comportamentos culturais, com importantes registros que nos ajudam a construir os traços fundamentais do imaginário social capixaba.

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É usando como base o contexto histórico, as nossas raízes, que a obra literária de Luiz Guilherme apresenta sua força, mostrando a construção da territorialidade cultural capixaba. Movimento importante nesse sentido percebo no romance O Capitão do Fim, em que o principal personagem é o donatário do Espírito Santo, Vasco Fernandes Coutinho.

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A ficção se apoia na história do fidalgo português no solo espírito-santense, trata de suas aventuras e desventuras como agente da colonização lusitana naquele distante século XVI.  No livro há marcas importantes do início da presença dos colonizadores e daquela epopeia bem retratada pelo nosso mestre. As marcas que estão sempre presentes no texto são as dificuldades iniciais da grande empreitada colonial, o relativo despreparo para as novas tarefas, a expectativa de ganhos que não ocorreram e a truculência no trato com os indígenas. A violência é traço inaugural dessa relação, está no seu âmago e na sua essência.

Luiz Guilherme nos deixou ainda um outro bom romance dos tempos coloniais, As Chamas na Missa, um relato romanceado da vinda da Santa Inquisição a uma provável vila de Vitória, bem típica daqueles tempos.  Na verdade, o Santo Ofício jamais esteve em Vitória, é uma visita imaginada com base em outras que de fato ocorreram. Na obra, a cidade se viu às voltas com a rigidez moral dos inquisidores e teve que suportar o controle da vida de todos através de mecanismos religiosos e de uma poderosa rede de intrigas. Elas eram, de fato, a base na qual se apoiavam as sentenças, quase sempre muito duras, que provocavam dor e humilhação. A fofoca como controle social floresce e se expande com força nesse período inquisitorial, nessas visitas terríveis, que o romance mostra muito bem.

Além de exibir o papel do Santo Oficio no período colonial, que fazia brotar o medo e o ódio entre todo o tecido social, o texto mostra bem como era a vida naquela vila bem simples, com traços marcantes sobre o nosso cotidiano, sobre o modo de ser dos capixabas.

Outros dois romances do mesmo autor são igualmente importantes na construção do nosso cotidiano. Eles se passam já no século XIX, com o Brasil independente e com o nosso sistema político mais bem configurado. São eles A Nau Decapitada e O Templo e a Forca. Ambos dizem respeito a aspectos importantes da vida daqueles tempos da monarquia na província, quando eram os seus presidentes escolhidos pelo imperador.

O primeiro trata da chegada de um novo Presidente da Província em 1840 e sua saga ao ver-se perdido no litoral de Piúma, após grave incidente na nau que o trazia do Rio de Janeiro. Ele precisou se dirigir à capital de forma improvisada e sem os seus pertences, que procurou incessantemente durante meses. O segundo romance se apoia nos terríveis acontecimentos em Queimado, no município da Serra, quando da construção, pelos escravizados, de uma igreja que seria inaugurada no ano de 1849. Os livros que narram a vida no período colonial falam de nossas raízes mais distantes; já os que abordam o período do império mostram elementos da nossa construção histórica um pouco mais recente. A insurreição de fato ocorreu no dia da inauguração da igreja, e foi compreendida por Luiz Guilherme em toda a sua extensão de exageros e atrocidades.

É em O Templo e a Forca que o papel do castigo físico, da violência, das sevícias e da morte fica mais claro. A perversidade das punições aos escravizados insurgentes da freguesia do Queimado, em que a justiça – ou, mais propriamente, injustiça – é ferramenta auxiliar na implantação do medo em um país já liberto do domínio português. Essas raízes estão fincadas na base de nosso sistema de interpretação do mundo. A violência como marca central de nosso imaginário social mais uma vez está presente.

Para finalizar, registro que Luiz Guilherme Santos Neves, além do talento para produzir textos ricos e deliciosos, foi portador de uma visão fascinante da nossa história. É um autor maior e merece ser saudado como um dos grandes ficcionistas brasileiros.


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João Gualberto

João Gualberto é professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA). Também foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018. João Gualberto nasceu em Cachoeiro do Itapemirim e mora em Vitória, no Espírito Santo. Como pesquisador e professor, o trabalho diário de João é a análise do “Caso Brasileiro”. Principalmente do ponto de vista da cultura, da antropologia e da política.

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