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Coluna Vitor Vogas

Cem dias de prisão: o que pode acontecer com Armandinho Fontoura?

Acusado de participação em uma “milícia digital privada” e preso desde 15 de dezembro, ex-futuro presidente da Câmara de Vitória completa neste sábado (25) cem dias atrás das grades. No campo jurídico, “nada de novo no front”. Já no campo político, processo de cassação ainda pode ser aberto na Corregedoria da própria Câmara. Coluna explica o passo a passo neste caso

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Armandinho foi afastado do cargo de vereador de Vitória. Foto: Divulgação

Até o dia 14 de dezembro do ano passado, o vereador Armandinho Fontoura (Podemos) estava na crista da onda. Nessa data, ele concedeu uma entrevista ao EStúdio 360, telejornal noturno da Rede Capixaba. Não falou apenas como vereador, mas na condição de futuro presidente da Câmara de Vitória. Eleito antecipadamente em agosto, Armandinho assumiria a presidência no dia 1º de janeiro. Mas isso não chegou a ocorrer.

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No dia seguinte à entrevista, a onda se tornou “caixote”, e a vida do vereador virou de cabeça para baixo. De manhã, agentes da Polícia Federal (PF) cumpriram mandados de busca e apreensão em seu gabinete e em sua residência. À tarde, ele se entregou às autoridades na Superintendência da Polícia Federal, em Vila Velha, e deu entrada em um presídio estadual no município de Viana.

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O vereador foi um dos alvos de mandados de prisão no Espírito Santo, em uma megaoperação deflagrada em vários estados pela PF mediante autorização do ministro Alexandre de Moraes, relator no STF dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos.

Moraes não determinou a prisão preventiva de Armandinho do nada, mas a partir de representação apresentada pela procuradora-geral de Justiça do Espírito Santo, Luciana de Andrade.

Na peça, citando uma série de posts do vereador em redes sociais e sua atividade como colunista do portal Folha do ES, do jornalista Jackson Rangel, a chefe do Ministério Público Estadual (MPES) acusou Armandinho de integrar uma “milícia digital privada”, formada em torno de Rangel (também preso na operação) com o objetivo de difundir fake news e atacar a honra de instituições e seus membros, incluindo o Supremo e ministros da Corte.

Conforme a decisão de Moraes, à qual a coluna teve acesso, Armando Fontoura Borges Filho recebeu voz de prisão “em razão da ocorrência de novos ataques à liberdade, segurança e honra dos ministros do Supremo Tribunal Federal e aos Poderes constituídos”.

Preso desde 15 de dezembro, Armandinho completa neste sábado (25) exatos cem dias de cárcere.

De lá para cá, o “caixote” virou redemoinho.

No dia 1º de janeiro, Alexandre de Moraes negou o pedido de autorização da defesa de Armandinho para que o vereador fosse levado do Centro de Detenção Provisória de Viana, onde estava custodiado, sob escolta dos agentes da Secretaria de Justiça do Estado (Sejus), para ser empossado presidente da Câmara.

Como na prática ele não se apresentou para tomar posse na data estipulada pelo Regimento Interno, o cargo foi considerado vago. No dia seguinte, 2 de janeiro, em nova eleição realizada pela Câmara, o vereador Leandro Piquet (Republicanos), rival paroquial de Armandinho na Praia do Canto, foi eleito para presidir a Casa.

No mesmo dia, o redemoinho virou maremoto: como se as notícias ruins para ele fossem poucas, a juíza Giselle Onigkeit, responsável pelo plantão judiciário da 1ª Região, determinou o afastamento de Armandinho do cargo de vereador de Vitória, atendendo a um pedido do MPES. Acatando a ordem judicial, a Câmara deu posse ao suplente de Armandinho no Podemos, Chico Hosken, que já foi dirigente do PT e segue linha bastante diversa do bolsonarismo assumido pelo vereador afastado.

Desde então, do ponto de vista jurídico, nada de novo no front, mas apenas frustrações acumuladas pela defesa de Armandinho, representado no caso pelo advogado Carlos Zaganelli. O vereador segue contando os dias na Penitenciária de Segurança Média I, em Viana, sem a menor previsão de soltura.

Desde 16 de dezembro, dia seguinte a seu ingresso no sistema prisional, a defesa do parlamentar já protocolou diversos pedidos de relaxamento de prisão e soltura. Até o momento, nenhum deles foi despachado por Moraes.

Entre os pedidos está a substituição da pena de privação de liberdade por medidas cautelares como o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de deixar o território capixaba. As medidas alternativas foram aplicadas, por exemplo, ao deputado estadual Capitão Assumção (PL) e ao agora ex-deputado estadual Carlos Von (DC), outros dois políticos capixabas atingidos pela megaoperação de 15 de dezembro.

Em casos semelhantes ao do vereador afastado, os pedidos seguem pendentes de decisão do ministro, que não recebe advogados de defesa dos suspeitos de participação em atos antidemocráticos, propagação de fake news e ataques a ministros do Supremo.

O advogado Carlos Zaganelli foi procurado pela coluna, mas preferiu não se manifestar, já que o processo tramita em segredo de Justiça.

Em nota, a assessoria do STF informou que não disponibiliza informações sobre processos sob sigilo e não comenta nem presta quaisquer informações sobre processos ou decisões sigilosas.

Isso na esfera judicial.

No âmbito político, porém, a tormenta para Armandinho pode não ter acabado, e o próximo tsunami pode ser ainda maior.

Corregedoria da Câmara

Na Câmara de Vitória, o tema Armandinho Fontoura é tratado com extrema cautela pelos 15 vereadores. Mesmo entre quatro paredes, o nome é mencionado a baixa voz. Os parlamentares em geral procuram se colocar no lugar do colega afastado.

À boca pequena, porém, comenta-se que um vereador preso e afastado gera imenso desgaste para a imagem da Casa. E o que todos sabem, mas evitam verbalizar, é que Armandinho ainda pode ser alvo de processo por quebra de decoro parlamentar na Corregedoria da Câmara. No limite, ele pode até ser cassado, não por decisão judicial, mas pelos próprios colegas.

Para isso, contudo, a Corregedoria precisa ser provocada. O órgão disciplinar da Casa é atualmente presidido pelo novato vereador Leonardo Monjardim (Patriota), ingresso na Câmara, no lugar de Gilvan da Federal (PL), poucos dias após Armandinho ser preso. O corregedor-geral afirma que, se o órgão for provocado, manterá postura legalista e não corporativista:

“Se alguém apresentar uma provocação nesse sentido, teremos que nos debruçar no caso. Assim que chegar a provocação, faremos essa discussão. Mas no momento não há nada de concreto sobre isso, e não vou me antecipar aos fatos. O que posso dizer é que sou muito legalista e estou muito tranquilo quanto a isso. De mim não terão uma postura corporativista nem que extrapole o direito à ampla defesa. Serei muito correto e farei o que diz a lei.”

Mas em que circunstâncias exatamente Armandinho poderia responder a processo na Corregedoria?

Uma primeira hipótese está prevista na Lei Orgânica Municipal de Vitória. Conforme o inciso III do artigo 70 da lei, o vereador que faltar a um terço das sessões ordinárias no ano perderá o mandato. Isso chegou a ser especulado logo que Armandinho foi preso – cabendo, é claro, discussão quanto ao conceito de “falta” se aplicar ou não ao caso, já que as “faltas” de um edil encarcerado são obviamente compulsórias.

Ocorre que a própria Justiça se encarregou de invalidar essa hipótese, com a decisão do dia 2 de janeiro de afastar Armandinho do cargo. Essa é a interpretação do procurador-geral da Câmara, Swlivan Manola. Segundo ele, como o suplente de Armandinho assumiu o cargo, não há que se falar em “faltas”, tampouco está prejudicada a representatividade na Câmara.

Mas essa não é a única hipótese.

Independentemente do tempo de prisão e de afastamento do cargo, Armandinho pode responder a processo disciplinar na Corregedoria tendo por justificativa a prisão em si e os motivos que fundamentaram a decisão de Moraes, amplamente veiculados pela imprensa capixaba.

O procurador-geral da Casa é categórico em afirmar que, regimentalmente, Armandinho pode responder a processo por quebra de decoro parlamentar no órgão mesmo estando afastado por determinação judicial. Uma coisa não impede a outra. Inclusive, se houver processo instaurado contra o vereador na Corregedoria, ele fica impedido até de renunciar ao mandato (art. 74 da Lei Orgânica Municipal).

Curiosamente, as regras da Câmara de Vitória relativas ao funcionamento da Corregedoria estão em plena transição (o que talvez explique a inércia do órgão até o momento). Em 13 de setembro de 2022, a Câmara aprovou um novo Regimento Interno, substituindo inteiramente o que vigorava desde 2013.

Ficou faltando, porém, uma parte: precisamente, o novo Código de Ética e Decoro da Câmara, com prazo de 180 dias para ser elaborado, contados da promulgação do novo Regimento, em setembro. Portanto, o novo Código de Ética precisa ser aprovado e entrar em vigor ainda neste mês de março. A qualquer momento, na verdade.

Por ora, segue valendo o que diz o Regimento Interno anterior, de 2013, nos capítulos V (“Do Processo Disciplinar”) e VI (“Do Funcionamento Interno da Corregedoria), do artigo 387 ao 429.

Para que um processo possa começar a tramitar no órgão, é necessário antes de tudo que alguém protocole um instrumento chamado “representação por quebra de decoro parlamentar” em face de determinado vereador. Mas não qualquer “alguém”. Pelas normas ainda vigentes, uma representação como essa pode ser proposta por um munícipe eleitor (qualquer cidadão, vedada a denúncia anônima) ou partido político com representação na Câmara. E só.

Um vereador pode representar contra outro, mas nesse caso fica impedido de participar das votações no decurso do processo, por ser parte diretamente interessada, portanto suspeita para julgar. Já o MPES, por essa regra, não tem legitimidade para propor uma representação do tipo.

Importante: no novo Código de Ética, a ser promulgado muito em breve, essa prerrogativa será ampliada: qualquer parlamentar, cidadão ou pessoa jurídica poderá representar perante a Corregedoria contra algum vereador por quebra de decoro parlamentar. Atenção: “pessoa jurídica” não inclui o MPES.

O passo a passo da tramitação

A partir do momento em que uma parte legítima protocola representação contra um vereador, esta é encaminhada ao presidente da Câmara (Piquet), que a despacha imediatamente para a Corregedoria Geral. A representação precisa estar bem fundamentada e documentada, detalhando a conduta violadora da ética e do decoro atribuído ao parlamentar. A denúncia já deve conter a indicação de provas, de um rol de testemunhas (no limite de oito) e da pena a ser aplicada.

De posse da representação, o corregedor-geral (Monjardim) sorteia entre os cinco membros do órgão o relator do processo. No prazo de 10 dias, prorrogável por igual período, o relator deve apresentar parecer sobre a admissibilidade da representação.

O parecer do relator, pela admissibilidade ou não da denúncia, será submetido aos demais membros da Corregedoria, que decidirão, por maioria absoluta (três dos cinco votos possíveis), pelo arquivamento ou prosseguimento do processo disciplinar. O corregedor-geral tem o voto de desempate.

Mas, se os fatos narrados na representação forem passíveis de determinação da perda do mandato, o corregedor-geral deverá determinar o seu imediato envio ao plenário, que decidirá sobre a admissibilidade do processo.

Então, na primeira sessão subsequente, o presidente da Câmara deverá submeter a votação do plenário a admissibilidade do processo. A representação será admitida se contar com os votos da maioria absoluta dos vereadores (oito dois 15 possíveis). Se a denúncia for admitida, o presidente devolverá a representação à Corregedoria, que dará seguimento à instrução do processo.

Nesse ponto, o corregedor-geral deverá designar, também mediante sorteio, um novo relator, responsável por instruir todo o processo.

A partir daí, a bola estará com o relator.

Assegurando o direito ao contraditório, bem como à ampla defesa, caberá a ele tomar o depoimento das testemunhas e do próprio alvo da denúncia, inquirir quem for necessário, promover acareações, realizar as diligências cabíveis, solicitar documentos (inclusive a outras instituições)… Enfim, o relator é o “juiz” do processo.

Concluída a instrução e apresentadas as alegações finais, a Corregedoria emitirá um parecer final, pronunciando-se pela procedência ou improcedência da acusação, sugerindo a sanção cabível e encaminhando ao presidente da Câmara o seu relatório final.

Ao receber o parecer final da Corregedoria, o presidente deverá remetê-lo ao exame da Comissão de Constituição e Justiça e, em seguida, pautá-lo para julgamento final do plenário, mesmo que a conclusão do relatório seja pela improcedência da acusação.

Finalmente, na sessão de julgamento, serão lidos a denúncia e o parecer final da Corregedoria, além do parecer da Comissão de Justiça. Depois disso, o presidente submeterá a votação nominal e aberta cada um dos fatos imputados na representação.

Para que seja aplicada a pena maior, de cassação do mandato, é preciso o voto da maioria qualificada de dois terços do plenário (pelo menos 10 dos 15 votos possíveis). Se for essa a decisão do plenário em qualquer uma das infrações especificadas na denúncia, o presidente deverá expedir a resolução de cassação do mandato.

Ainda que o resultado do julgamento seja pela absolvição, o presidente comunicará a decisão à Justiça Eleitoral.


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