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Coluna João Gualberto

“Cotaxé”, de Adilson Vilaça

Nesta coluna venho destacar a força do livro Cotaxé: romance do efêmero Estado de União de Jeovah

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Cotaxé. Foto: Reprodução/Ales

Cotaxé, de Adilson Vilaça. Foto: Reprodução/Ales

Autores capixabas têm produzido literatura da melhor qualidade e de grande densidade; deles já tenho me ocupado neste mesmo espaço. Meu argumento é de que esses escritores nos ajudam a melhor entender a alma capixaba, a traçar uma espécie de sociologia do nosso cotidiano. Nesta coluna venho destacar a força do livro Cotaxé: romance do efêmero Estado de União de Jeovah. Nele, Adilson Vilaça mostra todo o horror implantado pelas forças da ordem na área do que era chamado de Contestado, ao norte do Rio Doce, na metade do século XX. O texto  é de uma grande força e descreve com um estilo próprio todos aqueles acontecimentos.  É um romance forte.

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Adilson capta com força e estilo a trajetória de Udelino Alves de Matos, modesto professor em uma extensa propriedade da região que, depois de um grande fracasso amoroso, soltou-se no mundo para criar o Estado União de Jeovah. Muito religioso, leitor fervoroso da Bíblia, exercia forte liderança no plano espiritual entre os humildes moradores da região.

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No ano de 1952 Udelino inicia sua cruzada. A insegurança do lugar devia-se ao fato de não se saber a qual estado de fato pertencia, já que tanto o Espírito Santo quanto Minas Gerais disputavam litigiosamente aquele território. A região contestada era alvo de muitos aventureiros, de pessoas perseguidas, mas também se tornou bastante atrativo para os miseráveis lavradores da região. Diante da mataria sem uso agrícola, eles se instalavam. Esse misto de posseiros e aventureiros era a base e a força de Udelino. Ele escolhe Cotaxé – hoje distrito de Ecoporanga, na época epicentro econômico da região – como a sede de seu governo. Nomeia o primeiro escalão em julho daquele ano. Escolhe bandeira e hino. Começa a organizar a partilha das terras.

Prometia Udelino sua regularização e distribuição, mesmo para os proprietários que   possuíssem títulos. Ele daria aos homens solteiros quatro alqueires e aos casados dez alqueires. Mas, aos fazendeiros já instalados, o novo governo permitiria setenta alqueires. O proprietário que naquele momento tivesse mais que setenta alqueires poderia registrar suas terras excedentes em nome da família, dos filhos, dos genros. Na condição de delegado de terras do chefe da nação, Udelino tudo registraria num livro. Quem não aderisse à partilha proposta teria os bens confiscados. A quem aderisse, bastava assinar o livro e pagar os impostos ao Estado de União de Jeovah. Havia muita terra a distribuir e regularizar: eram mais de 10.000 quilômetros quadrados.

No mês de julho de 1952 o governador Udelino partiu para o Rio de Janeiro, então a capital da república. Anunciou que faria um encontro com o presidente Getúlio Vargas, levando uma petição assinada por 866 posseiros, a qual dava legitimidade ao pleito por terras. O encontro de fato não ocorreu, mas ele foi recebido pelo Ministro da Agricultura e voltou dizendo-se portador de um documento que o nomeara delegado de terras do chefe da nação.

Contudo, pouco durou a paz no Estado de União de Jeovah. No início do ano seguinte, em 1953, as forças capixabas deslocaram-se para o Contestado, dispostas a exterminar aquela insurreição. Conseguiram cumprir seu intento, mas apenas depois de meses de lutas cruentas.  Já no ano de 1954 tudo estava destruído. Nesse intervalo de tempo, as escaramuças foram cruéis. Houve maldades de ambos os lados. Os soldados matavam, espancavam, estupravam, humilhavam. O lugar-tenente de Udelino, Jorge Come-Cru, comandava a tropa que, no romance, chegou a ter 600 homens armados.  Ele matou de forma impiedosa e violenta todos os que considerava traidores. Arrancava-lhes a língua enquanto estavam ainda vivos, quebrava seus joelhos com marreta, furava-lhes os olhos com seu punhal.

Saindo do plano literário para a análise sociológica, vemos que, naquele espaço sem lei, a violência tudo regulava. Era o mandonismo total. A leitura de Cotaxé, além das delícias de um grande livro, nos ensina muito do Espírito Santo, sobretudo das raízes da violência urbana que nos atormenta até hoje. Somos, desde sempre, marcados por ela. E, certamente, não apenas em Ecoporanga.


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João Gualberto

João Gualberto é professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA). Também foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018. João Gualberto nasceu em Cachoeiro do Itapemirim e mora em Vitória, no Espírito Santo. Como pesquisador e professor, o trabalho diário de João é a análise do “Caso Brasileiro”. Principalmente do ponto de vista da cultura, da antropologia e da política.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.