Samarco: 80% dos pescadores não são aceitos em programa
Indenizações em Regência. Dos 257 inscritos, só 48 conseguiram provar a condição de pescador para a Renova, diz Defensoria Pública

Pensada para reconhecer e indenizar pescadores que não conseguiam comprovar o ofício pela alta informalidade do setor, a política “Pescador de Fato”, desenvolvida pela Fundação Renova, só “aprovou” 18% dos inscritos em Regência, de acordo com a Defensoria Pública do estado. A comunidade na foz do rio Doce tinha na atividade pesqueira uma das principais fontes de renda da população e foi atingida pelo rompimento da barragem da Samarco, há quase quatro anos.
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Segundo o defensor público Rafael Portella, das 257 pessoas de Regência que procuraram a Renova para serem incluídas no programa, só 48 conseguiram provar a condição de pescador. Outras 18 foram reprovadas e o restante, considerada inelegível.
Já a fundação informou que 118 ingressaram no projeto, sendo que 89 entregaram as declarações de dois pescadores regularizados e só 55 foram consideradas elegíveis.
A Defensoria Pública e o MPF (Ministério Público Federal) planejam questionar os resultados e devem buscar, dentro do Comitê Interfederativo ou até na Justiça, uma maneira de atender a essas pessoas.
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Anunciado em março, o “Pescador de Fato” iria destinar R$ 136 milhões ao pagamento de indenizações dessa categoria, até julho. O objetivo era facilitar o acesso à indenização, possibilitando fazer uso de prova testemunhal, feita por pescadores registrados e com carteira profissional, para atestar a condição do solicitante.
“O procedimento da Renova se mostrou mais burocratizado do que o idealizado. O longo tempo da entrevista e a forma como foram feitas as perguntas e o seu teor geraram indignações”, disse Portella.
O procurador da República em Colatina Malê de Aragão Frazão destaca que o método não ajudou. “Achávamos que o peso do testemunho seria maior, e na comunidade pesqueira ele é muito sério. A negativa para alguns criou um clima ruim na vila.”
Para o educador ambiental Carlos Sangalia, que participa do Conselho Consultivo do Comitê Interfederativo, o projeto ficou desconfigurado da proposta inicial com a mudança da metodologia. “Muitos continuaram a ser elegíveis, enquanto outros conseguiram passar. Não foi o que inicialmente pensamos dessa metodologia, e isso continua gerando injustiça.”
Como o modelo estava em formato de projeto-piloto em Regência e Povoação, no Espírito Santo, e Conselheiro Pena (MG), a preocupação da Defensoria e do MPF é que os problemas sejam replicados.
Rhafael Souza, 42, morador de Regência, é um dos que não conseguiu ser atendido. Segurança à noite, ele pescava com o pai no barco da família para complementar a renda. O pai foi indenizado, Rhafael não. “Negaram porque eu tinha renda. Mas também trabalhava como pescador. E sabemos de muitas pessoas que também têm outro trabalho e foram aprovadas.”
Para a Renova, o projeto-piloto apresentou resultados suficientes para atestar a efetividade da política. Informou, ainda, que o pagamento da indenização de quem foi reconhecido será feito em até 90 dias, depois de aceitarem a proposta que está sendo elaborada.