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Coluna João Gualberto

A força da periferia

O professor João Gualberto faz uma análise sobre a construção da sociedade brasileira, entre seus costumes, cultura, crenças e preconceitos

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A força da periferia. Foto: Divulgação

A força da periferia. Foto: Divulgação

O processo histórico de construção da sociedade brasileira, transmitiu a todos nós legados importantes. Um dos mais fortes é a nossa cultura popular. Por razões óbvias, ela tem uma inspiração profundamente africana, embora o hibridismo com a cultura lusitana tenha sido extenso. A fusão das crenças originárias de povos africanos com o catolicismo é a maior prova. Daí, o sincretismo religioso.

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Várias tem sido as formas de negação dessas marcas tão importantes de nossa trajetória como sociedade. Há algumas décadas, tudo o que dizia respeito aos cultos de matriz africana era interditado ou fortemente discriminado. No auge da ditadura Vargas, nos anos 1930/40, muito terreiros foram fechados Brasil afora; mães e pais de santo ou mesmo os que acreditavam nesses rituais religiosos foram violentamente agredidos.

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O preconceito continua. A extrema direita brasileira, nos dias de hoje, por exemplo, ainda trata com forte discriminação todas as manifestações religiosas de matriz africana e nega todas as políticas compensatórias possíveis. Mais do que isso, exercita um negacionismo, sem fundamentação na realidade histórica.

São contra todas as formas de tolerância. Insistem em construir novas “europas” entre nós, com uma tentativa de eliminar a densidade dos negros em nossa história. É evidente que os traços de africanidade estão presentes na cultura brasileira, de forma abrangente, seja na culinária, na língua, nos gestos, nas artes ou em qualquer instância social desejada. Todos esses traços são muito marcantes em nossa cultura artística.

As periferias das grandes cidades brasileiras tiveram seu crescimento recente, sobretudo a partir dos anos 1960 e 1970, balizado por forte migração interna. Pessoas que até então viviam no campo deslocaram-se para alimentar o crescimento industrial e urbano de nossa sociedade. Contudo, não foram implementadas políticas sociais e urbanas para acolher esses milhões de brasileiros. O auge desse movimento deu-se durante os anos de chumbo dos governos militares. Época em que a lógica tecnocrática comandava a política.

Os que viviam na zona rural vieram para as cidades, que cresciam em condições sub humanas. As periferias das grandes cidades passaram a ser o locus de uma nova forma de viver, quase sempre muito dura. Violenta, mas cheia de manifestações culturais. São produtos de nossas heranças profundas. Uma nova configuração de viver essa trajetória histórica de muitas dores, deu origem a uma nova forma de viver as artes. A cultura da periferia invadiu todos os palcos do Brasil, como já vinha fazendo em outros países do mundo.

Esse novo fazer artístico, fortemente ancorado na nossa africanidade e nas nossas tradições populares, não consegue se proclamar politicamente com a mesma força que tem no tablado artístico. As esquerdas tradicionais no Brasil, ainda não entenderam a força política desses novos contornos de manifestação da alma de nosso povo, e continuam presas a velhas formas de expressão coletiva.

Essa energia artística e política de nossa juventude que vive nas favelas e nas periferias de nossas cidades não me parece ter, hoje, produzido lideranças que estejam no grande jogo da política. É uma ausência que precisa ser resolvida. A presença dessa força organiza, a meu ver, os processos contemporâneos de produção de lutas e de pertencimento. São, como nominou o sociólogo Jailson de Souza e Silva, as bruxas e bruxos das cidades. São e serão atores muito relevantes no processo político brasileiro.

Ainda hoje, estão sub representados em qualquer instância decisória de nossa sociedade. O combate ao racismo, o reconhecimento de nossas diversidades, as novas construções familiares, tudo pode ser melhor construído com a representação desses protagonistas. É uma forma mais democrática e contemporânea de produzirmos a transformação social que tanto sonhamos.


 


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João Gualberto

João Gualberto é professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA). Também foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018. João Gualberto nasceu em Cachoeiro do Itapemirim e mora em Vitória, no Espírito Santo. Como pesquisador e professor, o trabalho diário de João é a análise do “Caso Brasileiro”. Principalmente do ponto de vista da cultura, da antropologia e da política.

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